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“O princípio da indisponibilidade do interesse público não afasta a possibilidade de acordo com a Fazenda Pública, desde que existentes razões suficientes que sustentem a sua efetivação.”
Parecer nº 004/2011 – CCPJ-PGE-AP Protocolo nº 2010/60698
Procedência: Procuradoria-Geral do Estado – PGE-AP Interessado: Rodrigo da Silva Utzig
EMENTA
Proposta de acordo extrajudicial – Fazenda Pública – Impossibilidade – Desvantagem para o erário – Valor vultoso
– Afronta ao princípio da supremacia do interesse público.
Trata-se de solicitação de proposta amigável a respeito de ação anulatória de ato administrativo, proposta pelo ora Reque- rente em desfavor do Estado do Amapá (Processo nº 0024961- 71.2005.8.03.0001).
I – SINOPSE FÁTICA
O Requerente salienta, em apertadíssima síntese, que movera, em desfavor do Estado do Amapá, uma ação anulatória de ato administrativo (Decreto de Expropriação da Sede do Trem Desportivo Clube).
Informa, também, que não obteve êxito na demanda nas ins- tâncias ordinárias, o que ocasionou a propositura de recursos especial e extraordinário, respectivamente, para o Superior Tri- bunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal.
Quando da realização do primeiro juízo de admissibilidade, realizado pelo Tribunal a quo, os referidos recursos não foram conhecidos, ocasionando a interposição de agravo de instru- mento contra decisão denegatória de recurso especial e extra- ordinário1, previsto no art. 544 do CPC.
Na formação do agravo contra decisão denegatória do especial, segundo relata o Requerente, houve deficiência no traslado das peças formadoras do respectivo instrumento, o que ensejou o não conhecimento do recurso já na realização do primeiro juízo de admissibilidade, efetivado pela presidência do Superior Tribunal de Justiça.2
Informa que, quanto ao agravo contra decisão denegatória do recurso extraordinário, encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Por fim, persiste na tentativa de acordo3, salientando que existe fortíssima possibilidade de reversão da causa nos Tri- bunais Superiores, e que a realização da avença possibilitaria maiores economias para o Estado.
Sem mais informações elucidativas, é o que se faz suficiente relatar.
II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O princípio da indisponibilidade do interesse público não afasta a possibilidade de acordo com a Fazenda Pública, desde que existentes razões suficientes que sustentem a sua efetivação.
Tais razões incorporam-se como o verso e o anverso de uma mesma moeda: se, por um lado, não pode haver prejuízo ao erá- rio, por outro deve, necessariamente, haver alguma vantagem na firmação do acordo extrajudicial, como corolário da supremacia do interesse público sobre o particular.
É sob esse manto que reside a possibilidade de realização de acordo para com a Fazenda Pública, o que, a uma primeira vista, não se vislumbrou no caso em tela.
Uma primeira justificativa merece ser dest acada. A ação anulatória, na qual o requerente sustent a haver grande possibilidade de acordo, não foi, sequer, julgada. É dizer, não paira, sobre ela, o manto da coisa julgada, que torna imutável e irrecorrível a decisão judicial, possibili- tando a inscrição do crédito na respectiva ordem de preca- tórios judiciais.
A possibilidade de procedência na aludida ação anula- tória é muitíssimo remota, senão inexistente. Em outras pala- vras: quanto à matéria infraconstitucional, ao que tudo indica (segundo informações do requerente), já se operou a preclusão, haja vista que, supostamente, contra decisão que não conheceu do agravo contra decisão denegatória do especial não se inter- pôs o correto recurso.
Quanto à matéria constitucional, também não muito crível de procedência do agravo de instrumento contra decisão denega- tória do extraordinário. É que, na apreciação do agravo, pode o Tribunal, desde logo, julgar o recurso retido na origem, conforme faculta a regra do art. 544, § 4º, II e respectivas alíneas.4
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Todavia, por se tratar de matéria que envolve revolvimento fático, a apreciação do extraordinário, retido na origem, encontra óbice na Súmula nº 282 do STF, a qual vaticina que “É inadmis- sível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
Ademais, os tribunais superiores possuem entendimento restritíssimo quanto ao conhecimento de processos não conhe- cidos nas instâncias ordinárias, quanto mais quando envolvem matéria fática.
Por outro lado, adentrando na possibilidade de acordo, per- cebe-se, claramente, que a proposta não apresenta nenhuma vantagem para o Estado.
O valor que se pretende ver acordado não traduz abatimento para o Estado. Para tanto, solicita-se vênia para transcrição de trechos do parecer do douto Procurador do Estado, Dr. Fran- cisco Feijó, o qual transcreve que:
“Insta salientar que o proponente não trouxe planilha de cálculos demonstrando qual seria o valor que realmente entende faria jus e, do mesmo modo, quanto estaria renunciando desse valor para celebrar o acordo nos termos propostos, eis que, até o momento, considerando que o Estado conformou-se com a decisão, só teria em tese assegurado o que foi estabelecido na sentença de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal de Justiça.”
Consta, ainda, nesse mesmo parecer, que houve sentença, proferida pelo juiz da 5ª Vara Cível e da Fazenda Pública de Macapá, condenando o Estado do Amapá a pagar ao expro- priado a título de complementação do valor da desapropriação, a quantia de R$ 303.894,68 (trezentos e três mil, oitocentos e noventa e quatro reais e sessenta e oito centavos), com incidên- cia de juros compensatórios de 1% ao mês (…).
Ainda o parecer anterior:
“Em primeira análise, verifica-se que o valor proposto para acordo está em patamar bem acima da decisão proferida, restando preju- dicada a elaboração de cálculos precisos para se encontrar o valor correto com base na sentença (…).”
A ilustração dos cálculos trazidos pelo procurador, na lavra de parecer anterior, obteve um valor de R$ 788.631,82 (sete- centos e oitenta e oito mil, seiscentos e trinta e um reais e oitenta e dois centavos), bem inferior ao valor proposto para acordo, no importe de R$ 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil reais), o que demonstra total desvantagem para o Estado.
Ademais, ainda que fosse vantajoso o aludido acordo pro- posto, o Estado do Amapá, no atual momento, não dispõe de quantia suficiente e necessária para o pagamento de tão ele- vado valor, uma vez que os recursos disponíveis nos cofres públicos são, demasiadamente, precários, senão inexistentes.
III – CONCLUSÕES
Diante do exposto, essa Procuradoria do Estado OPINA pelo indeferimento da proposta de acordo, uma vez que não se vislumbrou vantagens para o Estado em sua realização, ferindo, portanto, o interesse público, além do que o Estado não possui recursos suficientes para o pagamento de tal quantia.
É o que nos parece.
Remeto às considerações superiores. Macapá, 10 de janeiro de 2011.
Guilherme Carvalho e Sousa Procurador do Estado
NOTAS
- A terminologia aqui adotada é a mesma utilizada pelo ilustre Doutrinador Cássio Scarpinella Bueno, em seu Curso de Direito Processual Civil. Não obstante o CPC e boa parte da doutrina utilizarem o termo “agravo de instrumento”, opta-se pela nomenclatura adotada pelo referido doutrinador, uma vez que, sob o mesmo rótulo “agravo de instrumento” encontra-se, também, o agravo previsto no art. 522 do CPC, cujo objetivo é bem diverso do agravo referido no art. 544, CPC.
- O requerente não menciona se manejou o correto recurso para o conhecimento do agravo de instrumento contra decisão denegatória do recurso especial, no caso, o agravo regimental ou os embargos de declaração, caso tenha havido omissão, contradição ou obscuridade (hipó- teses estritamente vinculadas às permissivas do art. 535, I e II, do CPC).
- Já houve tentativa de acordo em momento anterior, situação que deflagrou a emissão de parecer dessa Procuradoria, indeferindo o pleito, da lavra do Procurador Francisco das Chagas Ferreira Feijó.
- As regras atinentes aos agravos contra decisão denegatória de especial e extraordinário foram modificadas pela Lei nº 12.322, de 2010, que conferiu nova redação ao art. 544 do CPC.
GUILHERME CARVALHO E SOUSA é Procurador do Estado do Amapá da Classe Especial lotado em Brasília (DF), mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB-DF, Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes (RJ), Professor de Processo do Trabalho do IESB (DF) e Professor do Curso de Pós-Graduação da Faculdade CEAP (AP). Advogado militante, com atuação prioritária nos Tribunais Superiores.
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