Da negação à ousadia: o WhatsApp como ferramenta válida nas licitações públicas

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Quando tratamos de modernidade na Administração Pública, o tema, quando não nos assusta, nos afugenta ou cria problemas, nem sempre fáceis de solucionar. O que pode ser visto como melhoria nem sempre é assim encarado pelo controlador externo. Por tais razões, o administrador público, se ausente lei autorizativa, opta pela negativa, porque, enfim, a negativa é uma opção mais segura que ousadia.

E, portanto, perceba-se a corda bamba equilibrista em que se encontra o gestor público, pois, à medida que se lhe impõe uma eficiência requerida e protagonizada no texto constitucional, igualmente lhe submetem um arcabouço legislativo vetusto e anoso, daqueles que, em matéria de contratação pública, requisitam a publicação de instrumentos convocatórios em jornais de grande circulação (art. 21, inciso III, da Lei nº 8.666/93).

Urge, portanto, que a ousadia administrativa não seja tão apenas a sombra de um promissor ideal que se intente alcançar; mais que isso, o arrojo na eficiência e gestão administrativas é medida de sobrevivência, tudo no ímpeto de manter intactos os melhores desígnios administrativos, que, na prática, convolam-se ao interesse dos administrados.

Por isso, tudo que é novo, maiormente na área de tecnologia, deve ser visto com bons olhos, sob nova mirada, desnudando a rigidez interpretativa amiúde ineficiente. Logo, em tempos de comunicação rápida e fugaz, a retratação da conversa, via aplicativo WhatsApp, soa não só como uma prospecção, mas como uma verdadeira alternativa, lídima e concreta na busca de uma melhoria na prestação do serviço público e, por que não, dos engenhosos processos de contratação pública.

Nessa toada, merece destaque que a Prefeitura Municipal de Lagoa Dourada, no Estado de Minas Gerais, desde o Pregão Presencial nº 40/2020, Edital nº 51/2020, instaurado para o “registro de preços para Aquisição de Artefatos de Concreto de tipo (Pisos, Blocos, Canaletas Tubos e Placas de Muro) para as atividades do Setor de Obras do Município de Lagoa Dourada”, com fundamento no Decreto-Emergencial Municipal nº 03, de 25 de março de 2020, tem previsto que as sessões públicas dos certames irão acontecer com a utilização dos recursos do WhatsApp 1 .

O Decreto-Emergencial citado, dispondo sobre os procedimentos para a realização das licitações no período de estado de emergência internacional decorrente do Coronavírus (COVID-19), indica, em especial:

a) Os Decretos Emergenciais nº 01/2020 e nº 02/2020 proíbem a realização de eventos oficiais que impliquem aglomeração de pessoas.

b) Os certames ainda acontecem de forma presencial, em razão da instabilidade da internet que é acometida no período de isolamento social.

c) A realização das sessões públicas de licitações será mantida, adotando-se o uso de recursos de tecnologia da informação, com a utilização de recursos de videoconferência ou utilização de aplicativos de mensagens instantâneas.

d) Os licitantes interessados em participar dos certames deverão encaminhar, via correio, os documentos de credenciamento, habilitação e proposta, informando à Administração, por telefone ou por e-mail, com prazo de antecedência de até 24 horas antes da data marcada para a realização da sessão.

e) Possibilita o uso de aplicativos de mensagens instantâneas.

f) Já indicando o uso do WhatsApp, determina que o licitante deverá informar seu número de telefone para cadastramento em grupo a ser criado, que terá como participantes todos os licitantes, o pregoeiro e membros da equipe de apoio e/ou CPL.

g) Na hipótese de pregão, quando da etapa de lances, os membros da equipe de apoio, em tempo real, registrarão os lances verbais formulados pelos licitantes para o devido registro no sistema informatizado do Município.

h) Após a abertura dos envelopes de habilitação dos licitantes vencedores, os mesmos, juntamente com as propostas, serão disponibilizados digitalmente aos participantes para análise e interposição de eventuais recursos.

i) Determina, por fim, a aceleração dos procedimentos para a implantação do pregão eletrônico.

Questionado, Renato Fenilli, Secretário-Adjunto de Gestão do Ministério da Economia 2 , disse que o WhatsApp não parece ser ambiente transacional que cumpra requisitos para a realização da sessão pública:

A autenticidade de quem dá o lance pode restar comprometida. Há funcionalidade tais como apagar mensagens. Poderia alguém apagar um lance? Não fica claro como gerenciar isso. Cria-se um hibridismo aqui. Um pregão presencial com subsídios de recursos de TIC? Ou seria um pregão semieletrônico com modo de disputa distinto dos previstos no Decreto nº 10.024/19?

Assim, a questão que se coloca é saber se o WhatsApp é uma ferramenta adequada para a realização de processo licitatório. Vejamos, portanto – e desde já antecipando a resposta – que sim; não só adequada como producente. Neste sentido, destaque-se que o §1º do art. 2º da Lei nº 10.520/02 indica que o pregão poderá ser realizado por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação, nos termos de regulamentação específica.

Entendendo-se tecnologia da informação como “todo e qualquer dispositivo que tenha capacidade para tratar dados e ou informações tanto de forma sistêmica como esporádica, que esteja aplicado no produto que esteja aplicado no processo”3 , pode-se afirmar ser o WhatsApp uma das ferramentas inseridas dentre as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs)4.

Com respaldo no determinado pela Lei nº 10.520/2002, desde que haja expressa regulamentação do uso do WhatsApp por parte do ente público, bem como do procedimento a ser adotado no curso da fase externa, não há dúvida sobre a validade do uso do aplicativo para a realização do procedimento licitatório. Nos certames disciplinados pela Lei nº 8.666/93, o problema que se coloca é a falta de referência legal ao uso de ferramentas tecnológicas na condução do certame, o que, em princípio, impede o uso desse aplicativo, mesmo que se estivesse a tratar de uma modalidade simples como é o convite.

Sob a ótica dos princípios da eficiência e da economicidade, a solução pela utilização do WhatsApp pode ser uma resposta para a realização dos procedimentos não eletrônicos, sem descurar dos cuidados atinentes à realização de reuniões que impliquem em possibilidade de disseminação do COVID-19.

Ademais, importante que seja garantido o amplo acesso dos documentos e das propostas por todos os licitantes, possibilitando que tenham tempo hábil de análise e interposição de recursos.

Em complemento, desde que o Pregoeiro ou a Comissão de Licitação, como condutores do processo de contratação, se atentem para a observância plena do princípio da publicidade, em todos os atos praticados no curso do certame, não há impedimento na adoção do WhatsApp como ferramenta para a realização de procedimentos licitatórios.

Como visto, tem-se que parabenizar o gestor público que, nestes tempos de pandemia, busca uma solução inovadora para manter a continuidade de suas atividades públicas. Se o uso da ferramenta WhatsApp possibilita uma garantia de ampla participação, transparência e garante a concretização de uma contratação pública, deve-se ressaltar e garantir seu uso.

É chegada a hora de avançar para uma Administração Pública 4.0, onde o novo seja visto como melhor ferramenta e não como um desconhecido, que tenda a promover disfunções administrativas; na prática, de disfunções burocráticas o Brasil já tem bons e exaustivos exemplos. Que a rapidez na comunicação de dados suplante o imaginário e avance rumo a resultados visualizáveis: economicidade em rede!

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1. Disponível em: <https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=16384&n=prefeitura-propõe-realização-de-pregão-com-whatsapp>. Acesso em: 24 jun 2020.

2. Disponível em: <https://sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=16384&n=prefeitura-propõe-realização-de-pregão-com-whatsapp>. Acesso em: 24 jun 2020.

3. ALCANTARA, Daniel. A importância da tecnologia da informação no auxílio à Administração. Disponível em: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/computacao/a-importancia-tecnologia-informacao-no-auxilio-administracao.htm>. Acesso em: 24 jun 2020.

4. Macedo, V., Dantas, D. C., Guedes, R. D., & Cavalcanti, M. do C. B. (2018). O uso do aplicativo Whatsapp nas práticas de gestão do conhecimento: o caso de uma comunidade virtual informal de profissionais na área de tecnologia. Perspectivas Em Gestão & Conhecimento, 8(Esp.), 135-150. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/pgc/article/view/42241>. Acesso em: 24 jun 2020.

 

Christianne de Carvalho Stroppa – Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP; Professora de Direito Administrativo da PUC-SP; Assessora de Controle Externo no Tribunal de Contas do Município de São Paulo; Advogada especialista em Licitações e Contratos Administrativos

Guilherme Carvalho e Sousa – Doutor em Direito Administrativo pela PUC-SP; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB; Ex-Procurador do Estado do Amapá; Advogado do Escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados; Bacharel em Direito e em Administração; Membro do Conselho Editorial dos periódicos SLC – Solução em Licitações e Contratos e SAM – Solução em Direito Administrativo e Municipal, ambos editados pela SGP – Soluções em Gestão Pública