Contratação pública e responsabilidade do parecerista: há algo de novo no STF

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Em se tratando de pareceres jurídicos emitidos no curso de processos que envolvem contratação pública, a questão pertinente à responsabilidade do parecerista é uma das mais inquietantes, sobretudo quanto aos limites da responsabilização.

Por regra, advogado que emite sua opinião, após consulta formulada por um específico agente administrativo, goza de autonomia e liberdade para o exercício da profissão (artigo 133, CF e, para advogados públicos, também artigos 131 e 132, todos da Carta Maior), razão pela qual a licitude do ato praticado é regra, salvo se manifesto o dolo, o erro grosseiro ou a culpa grave na conduta praticada. Este é o posicionamento pacífico do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.

Sucede que, para além do dolo, os elementos volitivos que compõem a culpa grave e o erro grosseiro também são passíveis de condenação. Na prática, o advogado a quem é submetido qualquer questionamento jurídico usufrui de prerrogativas para estabelecer os limites da opinião jurídica, respeitados os quadrantes dos questionamentos formulados pelo consulente.

A linha entre o que é respondido e o que deveria constar na opinião legal é substancialmente tênue, à medida que perpassa pelos conceitos de pareceres facultativos e obrigatórios e, quanto a estes, vinculantes ou não vinculantes. Logo, ao passo que a facultatividade do parecer jurídico induz a menores responsabilidades, a vinculação (nomeadamente quando obrigatório o parecer) atrai um maior comprometimento para o parecerista.

No alcance da Lei nº 14.133/2021, o parecer jurídico, nos termos do artigo 53, é obrigatório, nada obstante a interpretação quanto à sua facultatividade em circunstâncias diversas, a exemplo de consultas eventuais que possam subsidiar o tomador de decisão, a quem o parecer é endereçado.

Seria a vinculação ao parecer uma mera questão interpretativa? Em outra oportunidade, nesta mesma coluna, escrevemos sobre essa inquietação. Opinamos pela linha de raciocínio de que o parecer vincula, mas no grau de aderência do consulente aos fundamentos que dele (do parecer) constam.

O STF, em recentíssimo julgado, reavivou a matéria no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 1.554.162 (DF), da relatoria do ministro Dias Toffoli. Concisamente, o Supremo entendeu, apreciando potenciais condutas caracterizadoras de improbidade administrativa, que parecer jurídico meramente opinativo não atrai responsabilização.

A premissa utilizada pelo STF segue a mesma linha de anteriores julgados [1] da corte e a discussão travada no ARE 1.554.162 traz alguns contornos sobre a culpa proporcional, bem como o domínio sobre a matéria e temas, submetidos ao parecer:

 

“Conforme já assentou a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ‘[n]o julgamento do MS no 35196/DF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, DJe de 05.02.2020, algumas balizas foram estabelecidas para filtrar excessos na imputação de responsabilidade aos pareceristas jurídicos, como a necessidade de ponderação da culpa de modo proporcional ao real poder decisório, o reconhecimento da assimetria de informações relacionadas a temas não jurídicos, a natural convivência de divergência de opiniões em assuntos legais e a possibilidade de registro de condicionantes de cautela em tais manifestações. Tais filtros, como visto, não foram respeitados no presente caso” (MS no 31.815/DF-AgR, relator ministro Rosa Weber, DJe de 9/4/21)”.

 

Mesmo considerando as peculiaridades de cada caso em concreto, a jurisprudência do STF que versa sobre a responsabilização do parecerista jurídico foi — e ainda é — construída sob a égide da Lei nº 8.666/1993. Todavia, deve-se considerar que o artigo 53 da Lei nº 14.133/2021 é bem mais abrangente do que o artigo 38 da Lei nº 8.666/1993, especialmente quando analisada a parte final do inciso II do § 1º: “(…) com apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica”.

A apreciação de “todos os elementos indispensáveis à contratação” não está limitada a uma legalidade formalista, notadamente quando os pressupostos de fato devam ser levados em consideração na análise jurídica. Ou seja, o parecer diz mais que a própria norma e encampa o contexto fático pressuposto à análise legal.

E, nesse conjuntura, desponta uma particularidade processual civil, decorrente da sedimentada jurisprudência dos tribunais superiores, que inviabiliza a reanálise de fatos nas estreitas vias de recursos extraordinários. Nesse sentido, a Súmula 279 do STF assinala que, para simples reexame de provas, não é cabível recurso extraordinário.

Na prática, significa dizer que a matéria só pode ser alçada aos ares da Corte Suprema se houver conteúdo constitucional e, necessariamente, apartado de qualquer isolada reanálise de fatos e provas. De tal sorte, as instâncias ordinárias são soberanas para apontar, em cada édito judicial, as minudências dos casos concretos, circunstanciando, inclusive, a aderência às balizas a que o STF fez referência.

 

Simples reiteração

A decisão do STF no recente Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 1.554.162 (DF) mantém-se genérica e abstrata, uma vez que se limita a ponderar padrões servíveis a qualquer análise quanto à responsabilização do parecerista jurídico, independentemente do conteúdo do ato praticado.

A análise particular pela Corte Suprema, em hipotético juízo de convergência à sua jurisprudência (e balizas), somente tem lugar se enfrentado cada contexto fático, inviável em grau de jurisdição extraordinária. Seguindo a mesma linha de raciocínio, para apontar erro grosseiro, dolo ou culpa grave, é imprescindível incursionar sobre os contornos dos fatos e provas.

Inegavelmente, não há qualquer inovação no recente julgado proferido pelo STF, considerando que houve uma simples reiteração de conceitos vagos e premissas genéricas, circunscrevendo a responsabilidade do parecerista aos limites do dolo, da fraude e do erro grosseiro.

Terminantemente, é preciso esclarecer que a Corte Suprema ainda não enfrentou o tema à luz da Lei nº 14.133/2021. Em futuros julgados, será possível fixar uma contemporizada jurisprudência — quanto ao mais, meras expectativas.

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é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

 

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