TERCEIRIZAÇÃO DE ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA E A BURLA AO CONCURSO PÚBLICO

Veja a opinião do advogado Guilherme Carvalho sobre julgado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu burla ao concurso público na prática reiterada de contratação de escritórios de advocacia.

Notas sobre a recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho

Já dizia Nelson Rodrigues que não há nada mais chato e enfadonho que explicar o óbvio. É com essa frase caricata que iniciamos nosso sucinto comentário sobre as práticas que – ainda – vêm sendo adotadas por algumas entidades da Administração Indireta Federal no tocante à terceirização ilícita, desrespeitando frontalmente a Constituição Federal, notadamente os princípios que norteiam a Administração Pública.

Pois bem. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, II, é precisa ao prever que “II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.

Várias entidades que compõem a Administração Indireta (fatos encontráveis no relatório do Tribunal de Contas da União – Processo nº TC 027.911/2010-1 – MONITORAMENTO do Acórdão 2.132/2010) praticam a chamada terceirização ilícita. É prática rotineira na Administração Pública. O caso que para cá interessa é a contratação de escritórios de advocacia por entidades da Administração Indireta, em detrimento de aprovados em prévio concurso público.

Desde algum tempo, o Supremo Tribunal Federal, no que foi seguido pelo Superior Tribunal de Justiça e demais tribunais do país, pacificou o entendimento de que candidato aprovado dentro de número de vagas previsto em edital de concurso público têm direito líquido e certo à posse. Foi um longo caminho para formação desse valioso precedente. Mas o Poder Público é, por vezes, demasiadamente criativo, ao menos quanto à burla à Constituição. Cuidou de deflagrar concursos públicos com número mínimo de vagas ou, o que é pior, com quantidade inexistente de vagas, criando o desditoso cadastro de reservas.

Isso fez com que a Administração Pública pudesse agir, artificiosamente, burlando a Constituição Federal, eis que somente estava obrigada a contratar quem estivesse aprovado, dentro do número de vagas, previsto no edital do concurso. Surgiram as mais variadas terceirizações e, dentre estas, as de escritório de advocacia.

Mas, para sorte dos que defendem o zeloso desiderato constitucional, e sem menosprezo às decisões isoladas encontráveis no Judiciário brasileiro sobre o cumprimento da Carta Maior, o certo é que o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua Secção Especializada em Dissídios Individuais – SDI-I, nos autos do processo 2167-67.2011.5.22.0001, resolveu pôr um fim nessa discussão. O processo foi conduzido pelo escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e contou a com a sustentação oral do Dr. Guilherme Carvalho.

Trata-se de recurso de Embargos à SDI interposto pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A em face de acórdão proferido pela Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que reconheceu, mantendo as decisões ordinárias, o direito de candidatos, mesmo aprovado fora do número de vagas previsto no edital para provimento do cargo de Advogado, serem nomeados e devidamente empossados, uma vez que ficara comprovada a terceirização ilícita de escritórios de advocacia.

O voto do relator foi favorável à tese do Banco Embargante, todavia, o Ministro Augusto Cesar Leite (redator do acórdão), abriu divergência, tendo sido acompanhado pela maioria do Órgão colegiado. A votação encerrou-se apertada (sete votos a favor à tese dos candidatos e cinco votos favoráveis à tese do Banco).

Em que pese a votação ter sido finalizada no último dia 16 de abril de 2015 (o processo teve seu julgamento iniciado em novembro de 2014 e foi paralisado por pedido de vista regimental do Ministro Lélio Bentes), o acórdão somente foi publicado em junho de 2015. Segundo o relator:

“Embora o candidato aprovado no cadastro de reserva não possua direito adquirido à nomeação, apenas expectativa de direito, o fato de se ter realizado concurso público já revela preparação do reclamado com vistas a suprir eventual perda do quadro de advogados e ter recursos humanos suficientes para atender a necessidade normal e permanente do jurídico da reclamada”.

“Conforme demonstrado, a contratação precária de escritórios de advocacia configura preterição dos candidatos aprovados para cadastro de reserva por caracterizar contratação ilícita e em desrespeito aos princípios da administração pública insertos no art. 37 da Constituição Federal”.

O Tribunal Superior do Trabalho agiu com perfeita maestria no presente caso, como era de se esperar das decisões que emergem dessa Corte. Resta agora esperar que a Administração Pública cumpra a determinação do Judiciário e não crie outros estratagemas para desfigurar a vontade do legislador constituinte originário.