Nulidade vs. irregularidade: prevalece a opinião do órgão de assessoramento?

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No contexto da Lei nº 14.133/2021, a pronúncia da nulidade do processo licitatório é manifesta exceção, aplicando-se tão somente quando houver vício insanável. Teoricamente, sendo possível sanear o vício, obrigatoriamente a autoridade a quem compete homologar a licitação deverá determinar o retorno dos autos para o saneamento das irregularidades.

Trata-se, portanto, de uma incompatibilidade aparente, porque, no plano prático, haverá uma ponderação circunstanciada sobre a sequência de eventos apontados como nulos, cabendo à administração pública optar pela sanatória do vício, se sanável, ou pelo pronunciamento da nulidade, exclusivamente no caso de a primeira alternativa não ser elegível.

Ocorre que a avaliação do vício em si, é dizer, o julgamento quanto ao grau de nulidade apresentado no cenário da licitação, o qual afeta a possibilidade de sua manutenção — ou não — no mundo jurídico, permite uma inconteste discrição por parte de quem avalia. Logo, a interpretação influencia na tomada da decisão, remanescendo a possibilidade, desde que justificada, quanto à consignação da nulidade.

Sem embargo, na contextura do novo regramento, há uma alteração de eixo, porquanto a manifestação da nulidade requer, conjunta e indispensavelmente, a soma de dois fatores. O primeiro deles é a plena e fundamentada justificativa quanto à impossibilidade de correção do vício. Por isso, a pronúncia da nulidade, sem parâmetro minimamente plausível, deve ser rechaçada.

 

Em tal perspectiva, pode parecer descomplicado apontar que um determinado vício é insanável, por haver, aparentemente, desobedecido a legislação. Em tal circunstância, mais simples concretizar a anulação, conclamando uma precária argumentação angariada na vetusta Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal, incontestavelmente inservível a um modelo de administração pública que, por rigor, deve ser eficiente, pragmática e decisiva.

Portanto, a função do órgão de assessoramento jurídico no que diz respeito à declaração da nulidade atrai maior responsabilidade, à medida que o parecer jurídico não pode ser genérico, tampouco incisivamente formalista, tendo, por imperioso desiderato normativo, a obrigatoriedade de avaliar as consequências práticas da decisão, cujo embasamento é, dentre outros, o próprio parecer jurídico.

O mesmo se passa quando já ultrapassada o processo licitatório, isto é, quando já encerrada a licitação. Assim porque o terreno das contratações, por retratar o dia-a-dia da administração pública, é campo fértil para aplicação do consequencialismo jurídico, adaptando-se as decisões às suas implicações na realidade para as quais são destinadas e flexibilizando o manejo de normas jurídicas sempre com fins pragmáticos.

O órgão de assessoramento jurídico deve auxiliar o gestor público sobre a tomada das complexas decisões que lhes são postas, especialmente ponderando a preservação do ato jurídico e, por consequência, do processo licitatório ou da execução do contrato.

Ao tempo em que o jurídico é instado a se manifestar — no contexto do artigo 71 — sobre a revogação ou anulação da licitação, igualmente poderá emitir opinião jurídica sobre a declaração de nulidade do contrato já firmado, levando em consideração todos os fundamentos que constam no artigo 147 da Lei nº 14.133/2021.

Isso porque, as consequências da decisão que venha a ser tomada — mantendo a execução contratual ou determinando a nulidade do contrato — pela autoridade competente carece de devida e adequada fundamentação, notadamente quanto à parte a que se refere o parágrafo único, cuja utilização, por ser inusual, amplia a exigência de adequação dos fatos e eventos, levados à consideração do gestor, a uma pertinente motivação de viés jurídico. Por conseguinte, ao órgão de assessoramento jurídico também é destinada a atribuição de opinar, no plano jurídico, porém, sob o viés do consequencialismo, sobre os efeitos práticos decorrentes da decisão.

Logo, a robustez da opinião jurídica exarada tende a solidificar o teor da decisão elegida, máxime quando a decisão se alija da formalidade legalista própria e progride em direção ao desígnio da norma perfilhada no parágrafo único do artigo 147, sacando os botões do duro fardamento da nulidade e permitindo livre movimento ao corpo.

Ao jurídico, compete avaliar, em tal plano, se a manutenção de um contrato nulo é viável e, se factível no plano jurídico (eis que a avaliação quanto à oportunidade e conveniência compete a autoridade diversa), apontar para a necessidade de reparação em perdas e danos e consequentes responsabilizações, bem assim aplicação das penalidades cabíveis.

Não há, seguindo a coerência adotada na Lei nº 14.133/2021, espaço para deliberações desguarnecidas de fundamentação minimamente jurídica, sobremais quando se devem considerar os embasamentos de matiz econômica. Ausentes substratos em seus mais variados significados, decisões vazias, por si sós, tão apenas existem à luz de uma interpretação coercitiva, que, desafortunadamente, a legislação ainda confere aos atos administrativos isolados.

De tal sorte, a decisão administrativa distraída das consequências que dela advêm, face à sua mais inclemente ingenuidade (e por isso, despojada de fundamentação — inclusive jurídica — consistente, que analise, pragmaticamente, os efeitos que dela podem calhar), é um tanto mais prejudicial tanto quanto se mantém eficaz, sendo sempre imperiosa sua modificação.

Repensando o cenário das contratações públicas no Brasil à luz das consequências práticas da decisão perfilhada, já não mais se tolera toda e qualquer motivação e, à administração, urge o dever de se prevenir quanto às decisões potencialmente danosas.

À vista disso, insurge a importância da opinião exarada pelo órgão de assessoramento jurídico, cujos vocábulos e expressões podem indicar uma nulidade ou mera irregularidade, pelo que a discricionariedade do tomador de decisão passeia sobre os fundamentos fáticos e jurídicos constantes no parecer.