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Inquestionavelmente, a Lei nº 14.133/2021 é uma lei nacional. Nada obstante tal testemunho, é oportuno destacar que o conteúdo normativo dos dispositivos legais da referida lei são, em grande parte, normas gerais de licitação e contratação, devendo ser respeitados por todos os demais entes federativos e não apenas pela União. Tal em razão de a Constituição Federal, em seu artigo 22, XXVII, assim dispor:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle.”
Da interpretação literal da Constituição Federal, percebe-se que a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação pública é privativa da União. Ocorre que não existe uma sistemática objetiva sobre o que é e o que deixa de ser norma geral sobre este assunto.
Logo, o estabelecimento de tais critérios passa ao largo, porque, em não sendo normas gerais de licitação, remanesce, em tese, uma competência para os demais entes federativos normatizarem o tema. Portanto, em termos práticos, toda a problemática reside ao redor da fixação do conceito de normal geral de licitação e contratação.
A concepção sobre normas gerais de licitação e contratação sempre foi ponto de debate na doutrina, em função de não haver nenhum dispositivo legal que proclame, de forma clara e objetiva, o verdadeiro significado, tampouco em razão de inexistir qualquer regramento que direcione no sentido de como proceder a essa diferenciação.
Para Alice Gonzales Borges, normas gerais são “[…] aquelas que, por alguma razão, convêm ao interesse público sejam tratadas por igual, entre todas as ordens da Federação, para que sejam devidamente instrumentalizados e viabilizados os princípios constitucionais com que tem pertinência” [1].
Nesse sentido, a existência de uma norma geral de licitação decorre do princípio da igualdade, evitando tratamento diverso de determinadas matérias, convindo ao interesse público que alguns temas sejam tratados, por igual, entre todas as ordens da federação.
Por sua vez, Adilson Dallari afirma que “[…] norma geral é aquela que cuide de determinada matéria de maneira ampla. Norma geral é aquela que comporta uma aplicação uniforme por União, Estado e Município […]” [2].
Certo é que, desde a edição da Lei nº 8.666/93, ainda não existe, na doutrina e jurisprudência nacionais, uma metódica precisamente delineada de como organizar uma definição objetiva e satisfatoriamente segura sobre normas gerais de licitação e contratação.
Sendo a Constituição clara quanto à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais, fica estabelecida a competência dos demais entes federativos para produzirem quaisquer normas de licitação e contratação, desde que não sejam normas gerais. Na prática, o problema continua sendo o mesmo e se resolve de forma tópica, pontual e casuística, com a manifestação do Supremo Tribunal Federal quando e se questionado.
Não seria, portanto, diferente quanto à aplicação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Confessadamente, esta lei traz, em significativa parte de seus dispositivos legais, normas gerais de licitação e contratação, uma espécie de núcleo duro, relacionado ao campo da contratação pública, que deve ser aplicado, uniformemente, no domínio de todo o território nacional.
Por outro lado, destaque-se que, por diversas vezes, sempre que o tema chegou ao Supremo Tribunal Federal [3], houve prolação de édito judicial pela Corte Maior no sentido de garantir uma certa uniformização quanto à aplicação de determinadas normas relacionadas às licitações e contratos, como de competência privativa da União.
Ocorre que o cenário da contratação pública sob o contexto da Lei nº 14.133/2021 é significativamente diverso de três décadas passadas, quando promulgada a Lei nº 8.666/1993, não sendo deferente ao legislador o Judiciário perfilhar a mesma convenção interpretativa, entendendo, invariavelmente, pela adoção de uma inexistente verticalidade normativa em relação aos mais díspares panoramas em que se encontram os entes federativos.
Por conseguinte, em fiel aderência ao princípio da eficiência — inserido, formalmente, na Constituição de 1988 somente por meio da Emenda Constitucional nº 19/1998 —, indispensável que, para os entes federativos contratarem, eficientemente, com efetividade e rendimento proveitosos, possam-lhes ser outorgadas as condições que mais se adequem às suas realidades, pelo que, malgrado a finalidade das normas gerais, sob um prisma lógico, nem tudo deve ser inferido como uníssono em todo o território nacional.
Tendo em conta que, para que seja válida, a disciplina da norma geral deverá recobrir valores nacionalmente relevantes, sendo ela mesma indispensável para implementar os princípios constitucionais da Administração Pública, bem assim os que se encontram inseridos no artigo 5º da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Nesse cenário, passa a existir um novo — e saudável — espaço interpretativo, limitando, em decorrência de aplicabilidades práticas, a amplitude do equilíbrio pretendido pelo conteúdo das normas gerais.
As vicissitudes da Lei nº 14.133/2021, sob os mais variados soslaios, linhas e perspectivas, não permite, muito menos contemporiza, que aos demais entes federativos não haja a possibilidade de uma prospecção normativa mais adequada, pelo que se impõe uma necessária contenção conceitual.
[1] BORGES, Alice Gonzales. Normas Gerais no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
[2] DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.658/PR.