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Foge ao alcance dos entes federativos, independentemente da posição que ocupem na federação, a implementação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos a partir de 1º de abril de 2023. Logo, não haverá, após essa data, possibilidades de aplicação de legislações anteriores, às quais se refere o artigo 189 da Lei nº 14.133/2021. Todavia, inegável que preponderam infindáveis desafios para o processamento da nova legislação em sua mais completa inteireza, urgindo indagar, inclusive, sobre as consequências práticas da não aplicação ou até mesmo da parcial implementação.
No âmbito da União, as mais diversas regulamentações caminham a passos largos, exercitação indene de surpresas, seja pelo aparato organizacional existente no plano federal, seja, sobretudo, em decorrência da contumaz catequese normativa [1] que a União impõe aos demais entes federados.
Certo é que, ao menos para a União, bem assim para os estados, Distrito Federal e municípios que possuem estruturados órgãos de assessoramento jurídico, tudo sugere que haverá o fiel cumprimento do inciso II do artigo 193 da lei, é dizer, execução de todos os processos de contratação pública sob a ótica da novel legislação concernente à matéria.
Entretanto, a realidade brasileira é deveras dessemelhante e multifacetada, existindo, sob o comando do ordenamento jurídico regente da Administração Pública, menores unidades federadas, que, no âmbito municipal, despontam bem mais como regra do que, necessariamente, como exceção. Logo, instaura-se um problema de ordem jurídica e prática, que, inadiavelmente, carece da mais célere resolutividade.
O desafio transcorre pelas mais variadas vias, a começar pela consistente inexistência dos tais órgãos de assessoramento jurídico à que se refere, nos mais diversos dispositivos, a lei. Esse é apenas um demonstrativo — mas não o único — da deficiência de estruturação de recursos humanos na seara das sobreditas Administrações Públicas, impedindo um dos escopos do legislador: a segregação de funções.
Como implementar a Lei nº 14.133/2021, em tão curto espaço de tempo, é um gigantesco repto para os gestores. Isso porque dois anos para a União não significam dois anos para pequenas municipalidades. No entanto, considerando que o legislador não foi deferente às inconexões, há de se encontrar uma alternativa possível.
Adianto que é completamente inservível o argumento de que pequenos municípios não deveriam existir. A anuência ou discordância com o modelo do pacto federativo adotado não é obsequiado ao operador do Direito. Partamos, portanto, do pressuposto real, que, por notável transparência, necessita, como já destacado, de solução, dispensando, por ora, críticas amiúde despiciendas.
A primeira indagação, portanto, transcorre pelas inquietações cada vez mais evidentes: qual Direito regente da Administração Pública? Ainda existe o tradicional arquétipo do regime jurídico-administrativo? Se sim, para esse regime apenas o Direito Administrativo é preponderante? Há outras normas jurídicas que podem ser seguidas pela Administração Pública?
Confesso que não há, de nossa parte, qualquer pretensão em obtemperar, com conteúdo de definitividade, contundentes respostas para as interrogações anotadas, mas tão apenas uma aviltada tentativa de equalizar os interesses envolvidos, na incessante busca da eficiência, tão veementemente trabalhada, em tratativa principiológica, pelo legislador.
Não há negar que, não fosse a existência de um mundo real, haveria um cenário ideal (perdão à impiedosa indubitabilidade). Trabalhando, portanto, com o que permanece, soluções práticas e palpáveis devem ser ostentadas, sob pena de não cumprimento da lei, suportando os auspícios tempestuosos do controle externo, o qual, usualmente, utiliza-se de tempos verbais imateriais, no ideário semântico de que uma simplória e tardia elocução é capaz de proporcionar acabamento aos problemas cotidianos de gestão pública.
Portanto, distraído de qualquer ambição ou envaidecimento acadêmico, é hora de darmos início aos executáveis recursos disponíveis aos pequenos municípios, reverenciando, continuamente, as estruturas administrativas existentes.
Idealmente (e aqui o primeiro cenário), a formação de consórcios municipais parece ser uma bendita solução. Ocorre que implementar um consórcio entre municípios não é tarefa das mais fáceis, notadamente em se tratando dessa específica finalidade concernente à implantação, integral, de uma nova legislação.
Igualmente como desenlace, poder-se-ia conjecturar a adoção de demais normativos vigentes, seja no âmbito da União, seja na seara dos estados e Distrito Federal. No entanto, segundo mencionado, licitar e contratar não são produtos de prateleira, sendo que aquilo que funciona para outros entes federativos pode ser completamente imprestável para uma minúscula municipalidade. Logo, considerando essa segunda proposta, ainda não existe uma solução completa.
Uma terceira salvação é deveras drástica e perigosa: valer-se do controle externo preventivo. Tudo leva a crer que, adotando esse caminho, ao menos responsabilização dos agentes públicos envolvidos no processo de contratação pública não haveria, partindo do pressuposto de que os Tribunais de Contas, em especial, seriam uma espécie de jurisperito das infindáveis consultas públicas efetivadas por quem se reprime de dúvidas.
Ocorre que, ainda no que tange à solução que transita pela formulação de ausculta do controle externo, bem se veja que tais órgãos são frequentemente inventivos em adolescer fórmulas ideais, mas de raríssimas aplicabilidades e intransponíveis efetivações.
As disputáveis discussões cunhadas não provêm exclusivamente de um articulista desiludido, porquanto concretas, viventes, que atormentam o dia a dia da Administração Pública dos modestos municípios e que necessitam de imediata deliberação decisória (escusas à extremada tautologia).
Aos órgãos de controle externo, muito mais que soluções prontas e acabadas, é imperioso advertir, impondo, claramente, restrições, mas factíveis de serem acatadas. É aconselhável que esses órgãos sejam, também, condutores e protagonistas da implementação de boas práticas administrativas.
Aos pequenos municípios, fica como indicação envidar todos os esforços para implantação e cumprimento da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, proporcionando uma melhoria no quadro de servidores —mormente por meio do desejável concurso público a que faz alusão o texto constitucional —, e motivando, exaustiva e fundamentadamente, cada ato, dentro de todo o processo de contratação pública, que não seja passível de ser concretizado.
A motivação adequada pode ser uma nova luz, porque nem só de Direito Administrativo vive a Administração Pública.
[1] https://www.conjur.com.br/2020-nov-27/opiniao-licitacoes-brasil-catequese-normativa-uniao.