Licitação e a prática dos atos em formato eletrônico

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Assentindo ao modelo de Administração Pública 4.0, espalhada na conformidade da denominada 4ª Revolução Industrial, a qual é caracterizada, sumamente, pela incorporação de elementos digitais, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou aperfeiçoar a prática dos atos licitatórios implementados ao longo do processo da licitação e, até mesmo, no contexto da contratação pública.

Incontendível que a pretensão regulamentária não só é promissora, como também mandatória e, se não incorporada na referida legislação que superintende as contratações públicas, atestaria uma incrédula ineficiência normativa em tal sentido.

Notadamente, seria um contrassenso condecorar a máquina administrativa com meios e recursos digitais e, simultaneamente, exigir do licitante a formalização de atos no curso do processo licitatório exercidos de forma arcaica, que mais remontam a uma burocracia inservível, já não mais associada à administração pública gerencial.

Dá-se que, por igual, nem sempre a realização dos atos no curso da contratação pública pode ocorrer de forma eletrônica, como impõe a norma, tal pelo motivo do contexto ou ensaios endógenos da inviabilidade, como também pelo fato de nem ao menos existirem espaço e meios necessários à realização dos atos.

Ilustrativamente, a redação do § 2º do artigo 17 da Lei nº 14.133/2021 perfilha essa tendência, quando, ao pé da letra, prenuncia que “as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização de forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo”.

A desconfiança em relação à prática dos atos de forma presencial é marcante no texto normativo, tendo sido tal suspeita o sustentáculo da jurisprudência dos Tribunais de Contas que lastreou a legislação. Nesse sentido: Acórdão 2.901/2016-Plenário (relator: ministro Vital do Rêgo; revisor ministro Benjamin Zymler) e Acórdão 538/2015-Plenário (relator: ministro-substituto Augusto Sherman Cavalcanti).

Para além de destinar uma obrigatoriedade para a administração pública, mitigando a conveniência e a oportunidade de deflagrar licitações na forma presencial e não por meios eletrônicos, o legislador também permitiu que a administração determine e imponha ao licitante a compulsoriedade de praticar seus atos de forma eletrônica, conforme se infere do § 2º do já mencionado artigo 17, o qual aponta que “nos procedimentos realizados por meio eletrônico, a administração poderá determinar, como condição de validade e eficácia, que os licitantes pratiquem seus atos em formato eletrônico”.

Ocorre que a Lei Geral de Licitações, em muitos pontos — ainda não totalmente definidos pela doutrina e jurisprudência —, é, incontestavelmente, Lei Nacional, de aplicação, portanto, em todo território nacional, havendo, por outro lado, distintas normas que não são gerais, assim dizendo, não são de aplicação obrigatória por todos os entes federativos.

À vista disso, é preciso enxergar as múltiplas realidades do país, aderindo ao que cada ente federativo revela, segundo suas particularidades destacadamente existentes em todo o território nacional, não sendo factível atribuir a imposição cominada à União a outro ente federativo com estrutura não correspondente, tampouco parecida, sob pena de servilismo a uma só norma, não necessariamente aplicável de maneira túrbida e indistinta.

Muito embora haja infindáveis normas espalhadas pelo corpo da Lei nº 14.133/2021, concernentes à preferência indistinta da prática de atos no curso da licitação de forma eletrônica, é preciso atentar-se, como mencionado, para as diversas realidades no cenário nacional, não tendo por ineficaz ou inadiavelmente inválido um determinado ato, ou mesmo todo o processo, simplesmente em decorrência da não aquiescência à forma eletrônica.

Isso por haver um contorno quanto às declarações de nulidades ou ineficácia de todo e qualquer ato, a comprovar, exemplificativamente, a regra inserta no inciso I do artigo 71, quando aborda a finalização do processo licitatório, determinando o retorno dos autos para o saneamento de irregularidades e, até mesmo, já na fase contratual, em que há franca e inconcussa preleção pela manutenção do contrato.

Seja por um ou outro caminho, não há questionamento no sentido de que o legislador prioriza, sempre que possível, a manutenção dos atos, exclusive se houver incontornável e insanável irregularidade ou nulidade, sendo medida última a declaração da inviabilidade de manutenção do ato, processo ou contrato.

Mais que isso, em adesão à parte final do artigo 5º, da Lei nº 14.133/2021, igualmente decorre a atenção às regras e princípios previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), no que se destaca a redação dada ao artigo 22, nomeadamente os obstáculos e as dificuldades reais do gestor, que devem sempre ser levadas em consideração.

Oxalá sejam processadas, nos mais distantes e remotos rincões do Brasil, todas as licitações já com base na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos — é um pronto anseio. Ao tempo em que sua aplicação imediata se avizinha, talvez seja uma grandeza pensar na totalidade dos atos praticados eletronicamente.