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Se há algo que atrai o administrador público é a busca pela legalidade formal. A cultura do Direito Administrativo brasileiro é fincada, além de outros, em tal princípio, em que, supostamente, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei autoriza. Ocorre que a lei, em sentido estrito, não contempla todo o plexo de atuação administrativa, razão pela qual, em uma ou outra ocasião, o atuar administrativo deve ultrapassar uma possível autorização normativa.
Sem mais nem menos, independentemente de haver ou não autorização expressa em lei para que a Administração Pública atue, ao menos para fins de contratação pública, o princípio da eficiência, dentre outros, contempla a possibilidade de maximizar uma tônica mais gerencial ao contexto administrativo, suavizando a precária — e já não mais servível — ideia de que o regime jurídico administrativo se vale apenas de normas de Direito Público.
Tudo leva a crer que a anosa classificação que divide o Direito em dois estanques ramos — Direito Público, de um lado, e Direito Privado, de outro — já não mais tem, na conjuntura atual, o mesmo espaço. Logo, ao Direito Administrativo é quase impossível distribuir hermeticamente um regime classificatório tão fechado. Nesse sentido, a modelagem do propalado regime jurídico administrativo passa por um novo perfil, desafiando inquietantes vertentes, nomeadamente porque, legalmente, nunca se resolve todos os problemas de gestão pública, devendo, por necessidade de manutenção da máquina administrativa, haver espaço para uma maleabilidade de qualquer atuação que vise ao atingimento do cumprimento da função administrativa em sua máxima e impostergável perfeição.
Desde já, adiante-se que a busca pela eficiência não é, por si só, causa satisfatória e suficiente para a reformulação completa do atuar administrativo. Mesmo na atividade pública instrumental (exemplificativamente, empresas públicas e sociedades de economia mista), deve a Administração resguardar-se de algumas regras claras, pertinentes à função administrativa e naturais à existência da mesma Administração Pública, cuja supremacia, em relação ao administrado, ainda lhe promove um fator de distinção.
O substrato da eficiência/eficácia, como móvel para a contemplação dos resultados esperados pela Administração, pode, a um só tempo, ser uma solução e uma preocupação, tendo em vista a intensa comparação que se ousa alcançar com a iniciativa privada, na busca de iguais resultados. Por tudo isso, é de se indagar se a eficácia administrativa é uma realidade a ser alcançada ou uma distraída utopia. Opino pela primeira hipótese.
A modificação desse eixo administrativo — acima mencionado — apartando-se de uma Administração Burocrática e buscando soluções mais gerenciais, insculpiu-se, no ordenamento jurídico brasileiro, como princípio orientador da atividade administrativa de toda Administração Pública, encabeçando o dispositivo legal que relaciona quais são os princípios reitores da função administrativa para a Administração Pública. Portanto, com igual peso a outros princípios, a eficiência aparece estampada na Constituição brasileira.
Na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o artigo 5º, concedendo maior ênfase principiológica que a anterior Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993), ao capitular infindáveis princípios, nomeou, com clareza, não apenas a eficiência, como, por igual, a eficácia e a economicidade, em cujas cúspides residem noções de conteúdo mais privativo, envoltos ao modelo gerencial e de resultados a que o legislador constituinte (reformador) faz expressa referência.
Interessante destacar a imprópria incomportabilidade entre os princípios da eficiência e da legalidade, com possível aniquilamento deste por parte daquele. Nesse sentido, substancias as lições de Luciano Parejo [1] Alfonso, ao tratar a eficácia como princípio jurídico de atuação da Administração Pública, quando afirma que a eficiência não pode compreender uma exigência de renúncia ao Estado de Direito, bem assim que a submissão à lei e ao Direito possam comportar condicionamentos que façam impraticáveis uma atuação eficiente.
O princípio da eficiência no Direito Administrativo deve ter por alicerce e ponto de partida os efeitos econômicos que dele podem resultar, tal como sói ocorrer no contexto das contratações públicas, cujos valores — de ordem econômica — devem se impor a qualquer burocracia tecnocrática (perdão à proposital redundância) que fustigue, inclusive, os valores pragmáticos a que a Lei nº 14.133/2021, na parte final do mencionado art. 5º, referencia, quando faz alusão à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).
O operador do Direito Administrativo no Brasil ainda parece inconsciente dos ganhos propiciados pelo princípio da eficiência, porquanto desapercebido dos valores que tal princípio carrega no emprego da alocação de recursos, bem assim na eficácia dos serviços de interesses gerais.
As formas menos rígidas encontráveis no Direito Privado tendem a satisfazer com maior agilidade as necessidades da Administração, por meio de soluções mais céleres, sendo que a simplificação das tarefas administrativas deve ser vista como um objetivo a ser alcançado.
Esses novos arranjos administrativos, com olhares voltados ao resultado, são, inquestionavelmente, fatores que devem ser considerados pela Administração. Aliados à busca pela eficiência, à necessidade de melhoria na qualidade dos serviços públicos, dentre outros, o Poder Público ainda se vê na impostergável necessidade de lidar com os avanços decorrentes dos impactos tecnológicos, os quais, indubitavelmente, contribuem para remodelagem do conceito de Administração Pública. Como lidar com novas tecnologias disponíveis no mercado, na rapidez com que se apresentam, incluindo-as na utilização pelo Estado, é um traço a ser perseguido.
A essa modificação provocada por novas tecnologias não escapa a Administração Pública, que, na busca de fórmulas ótimas de eficiência, tem-se visto forçada, pelo desenvolvimento dos acontecimentos políticos e sociais, a incorporar e utilizar os avanços científicos e tecnológicos, em seu funcionamento normal e cotidiano. Leia-se, nesse sentido, as mais diversas normativas localizadas na própria Lei nº 14.133/2021, encontrando na modalidade licitatória nomeada Diálogo Competitivo um memorável exemplo.
Sem qualquer tangenciamento, a Lei nº 14.133/2021 propicia uma forma de concretização dos atos jurídico-administrativos mais ágil, alinhando-se à desburocratização e a maior eficiência da Administração. Fugir das amarras da legalidade rígida traduz, para o Poder Público, apresentar satisfação à sociedade em tempo hábil e de forma dinâmica.
O grande desafio a ser perseguido no contexto das contratações públicas é definir e se apartar das zonas cinzentas, em que, supostamente, resida uma disputa entre a legalidade e a eficiência, destacadamente porque a principiologia prevista no artigo 37 da Constituição Federal não possui um condão de definitividade.
Como já destacado, a cultura do Direito Administrativo brasileiro, com visões alinhadas ao Direito Administrativo francês e que, por isso, prendem-se mais fortemente ao princípio da legalidade, parece tornar a solução mais fácil quando há previsão normativa que estabeleça, textualmente, a possibilidade de utilização de normas mais flexíveis voltadas ao atingimento da eficiência. Logo, se há lei (ou norma escrita) estabelecendo a previsão, tudo se torna mais fácil para o gestor. Para o atingimento do princípio da eficiência, nem sempre se faz necessário deslocar-se das garantias insertas nos princípios constitucionais administrativos.
Como um todo, o roteiro perseguido na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos caminha por uma via de flexibilidade, seja por pragmatismo ou desígnio normativo, em que se pretendeu, eficientemente, pôr em prática os resultados esperados de uma Administração Pública habilidosa.
[1] PAREJO ALFONSO, Luciano. La eficacia como principio jurídico de la actuación de la Administración Pública. Revista de Documentación Administrativa, Madrid, n. 218-219, p. 89-152. 1989.