A advertência como sanção administrativa: direito à defesa prévia

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A aplicação de sanções administrativas comina, para o contratado, restrições e prejuízos das mais variadas ordens. Por tais razões, quando da imposição de uma determinada sanção, deve a autoridade administrativa sopesar, com a máxima acuidade, o princípio da proporcionalidade, não como forma de potencializar o cometimento de novas ilicitudes pelo contratado, porém, no desígnio de evitar uma responsabilização não razoável para o evento existente.

O dever de estimar qual sanção será aplicada em decorrência de infrações praticadas pelo contratado é impositivo à administração contratante, sendo irrelevante, portanto, qualquer particularidade quanto à visão do agente público responsável pelo processo de aplicação de penalidade no que concerne a um maior ou menor grau de severidade.

De tal modo, a estrita observância ao devido processo legal configura-se, naturalmente, como a principal ferramenta de defesa para que o contratado, de forma prévia e antecipada, possa, até mesmo, eliminar, do plano prático, a imputação do cometimento da infração em tese aplicável para o caso, afastando, por consequência, qualquer tipo de penalidade.

Nota-se, por isso, que a não obediência ao séquito procedimental regulado pela legislação esvazia o processo como um todo, por declínio da não concessão do contraditório e/ou defesa ampla, ínsitas à natureza de qualquer processo, pelo que, inexistentes estes, injurídicas são as sanções aplicadas, delas não podendo decorrerem quaisquer efeitos.

Ocorre que a metódica de aplicação de sanções administrativas não costuma, rigorosamente, seguir um rito previamente estabelecido pela legislação. Daí que, para algumas sanções, como a advertência, a administração parte da falsa pressuposição de que esta não configura penalidade, tendo em vista o hipotético “grau de leveza” que, certamente, lhe é inerente, considerando, ainda, a inexistência do surgimento de prejuízos concretos de forma imediata.

Sem embargo, mesmo em se tratando de advertência, deve a administração franquear ao contratado, inadiavelmente, o direito de se defender previamente. Nesse contexto, a defesa prévia é mecanismo de proteção a toda e qualquer sanção, independentemente qual seja ela venha a ser imposta.

Sucede que não há, na Lei nº 14.133/2021, qualquer alusão expressa quanto à necessidade de concessão do prazo para alegação de defesa prévia em relação à sanção prevista no inciso I do artigo 156 da referida lei, isto é, em relação à advertência. Apesar disso, analisar, isolada e espaçadamente, o Capítulo I do Título IV da Nova Lei, deságua na confirmação de uma precipitação interpretativa, a qual, sob todos os esforços, deve ser evadida.

Da leitura, estritamente textual, do artigo 157 e artigo 158, caput, depreende-se que, relação às demais sanções, há previsibilidade para a apresentação de defesa escrita no prazo de 15 dias úteis, contados da data da intimação:

“Art. 157. Na aplicação da sanção prevista no inciso II do caput do art. 156 desta Lei, será facultada a defesa do interessado no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de sua intimação.

Art. 158. A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caputdo art. 156 desta Lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir.”

Nessa senda, a falta de dispositivo legal atinente à obrigação de defesa escrita — para a sanção de advertência — não legitima a administração pública a proceder à aplicação da referenciada sanção independentemente de concessão de prazo para o contratado.

Logo, ainda que seja levada em consideração a premissa normativa de que a advertência somente deve ser aplicada nos casos de inexecução parcial do contrato (infração prevista no artigo 155, I), conforme inteligência da primeira parte do § 2º do artigo 156, igual direito de defesa escrita deve ser concedido àquele que com a administração pública contrata.

A validade de tal argumento é comprovada pela segunda parte do mesmo § 2º do artigo 156 acima mencionado. Isso em função de este parágrafo autorizar, a juízo puramente discricionário da administração, eleger se aplica a advertência ou uma penalidade mais gravosa.

Percebe-se, do mesmo modo, que, para a mesma infração — dar causa à inexecução parcial do contrato (inciso I do artigo 155) — o administrado, na condição de contratado, poderá ter ou não direito à defesa prévia, apresentada de forma escrita no prazo de 15 dias úteis.

Desta maneira, permitir que, em relação ao mesmo fato (mesma tipificação em face do cometimento de igual infração), haja, por um lado, a probabilidade de defesa e, lado outro, a total impraticabilidade de resguardo defensivo concentra uma anfibiologia assaz implexa e carente de qualquer plausível contexto que garanta sua vivência.

Acontece que, de acordo com o que expressado anteriormente, inexistem razões para que à aplicação de penalidades não se aponham outros princípios e normas existentes, inclusive na Lei nº 14.133/2021.

Particularmente em decorrência de seu conteúdo punitivo, inconcusso que às sanções aplicam-se tantos quantos princípios sejam, ao apenado, aproveitáveis e, por todos os ângulos, vantajosos, consubstanciando, com a frequência deferida pelo legislador constituinte originário, a igualdade substancialmente catalogada no rol dos direitos e garantias fundamentais.

Sem qualquer desatenção ou desculto à imposição normativa que do artigo 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988 ecoa, certo é que a própria Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos agracia o intérprete, facilitando a compreensão provinda do repertório de princípios previstos no artigo 5º desta mesma lei, em especial a parte final, cuja referência à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é ressaltante.

Assim que, imbuído no conteúdo normativo de tais princípios, deve a autoridade a quem compete a aplicação da sanção de advertência ponderar, com base na parte final do caput do artigo 20, as consequências práticas da decisão.

Em consideração a isso, aderente à argumentação construída ao longo desse texto e considerando que da aplicação da sanção de advertência decorrem inflexíveis e indeléveis consequências práticas, mesmo que de efeitos e implicações não manifestamente imediatos, o direito à defesa, confeccionada na forma escrita, deve ser conferido, sob pena de desfazer, da penalidade de advertência, o conteúdo sancionatório que o legislador, asseguradamente, lhe conferiu.


 é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

Viviane Mafissoni é especialista em Direito Público e chefe de compras centralizadas da Ebserh/MEC.