Baixe o arquivo em pdf clicando aqui
PARECER No 891/2011 NCA-PGE/AP
Processo no 2011/70498
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA. SUPERVISÃO. PRINCÍPIO DO CONTROLE. POSSIBILIDADE CONDICIONADA ÀS HIPÓTESES LEGAIS. TUTELA EMINENTEMENTE JURÍDICA DA ANÁLISE JURÍDICA DO ÓRGÃO JURÍDICO DA ENTIDADE (INTELIGÊNCIA DO ART. 2o, CAPUT C/C § 1o DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL No 006/94).
SINOPSE FÁTICA
O Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Amapá (IAPEN) deflagrou procedimento licitatório, sob a modalidade pregão presencial, para a contratação de empresa especializada no fornecimento de alimentação preparada.
Inicialmente, importa salientar que a entidade licitante integra a Administração indireta do Estado do Amapá, possuindo natureza jurídica de autarquia, conforme adiante será analisado.
Em apertado resumo, no curso da realização do pregão presencial sob apreço, houve a interposição de recurso administrativo por uma das licitantes interessadas, chegando o processo a esta Procuradoria por meio de petição do patrono da empresa licitante com o requerimento de manifestação jurídica da Procuradoria sobre o recurso.
Sem demais detalhamentos sobre a matéria de fundo (objeto do mérito do recurso administrativo), eis que desnecessários para a conclusão, esses são os fatos que, por ora, necessitam ser narrados.
QUESITOS
1) O que se entende por tutela administrativa, princípio do controle ou da supervisão?
2) Está a Administração Pública estadual adstrita à mesma forma de controle da Administração Pública federal?
3) Pode a Administração direta estadual, por meio de sua Procuradoria de Estado, controlar todo e qualquer ato administrativo da Administração indireta?
4) Há previsão para que a Procuradoria do Estado realize a supervisão sobre os atos da Administração indireta?
Tais questionamentos servirão de baliza para a formulação do posicionamento jurídico exarado nesse legal opinion.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A questão é, por demais, intrigante, eis que se trata de procedimento licitatório realizado sobre pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica própria, não integrando, portanto, a Administração Pública direta estadual.
Insta salientar também que esta Procuradoria do Estado já se manifestou sobre o tema, quando da emissão do Parecer no 0318/2011, da lavra da Procuradora Jeane Martins, concluindo pela falta de atribuição institucional da Procuradoria do Estado para a análise de questões envolvendo a Administração indireta. Na oportunidade, posicionou-se pelo entendimento de que, por ser o IAPEN uma autarquia, vinculada à Administração indireta, não poderia se valer do apoio técnico-jurídico da Procuradoria do Estado, haja vista a existência de corpo jurídico próprio.
A robusta fundamentação inserta no Parecer não abre ensanchas quanto à carência de atribuição desta Procuradoria para averiguar as licitações e os contratos da Administração indireta. Em que pese tal posicionamento, no presente caso, é possível adiantar que será feita uma análise não destoante, porém, um pouco diversa.
A apreciação do caso merecerá, acima de tudo, abordagem sobre a estrutura da Administração Pública estadual para, somente após, emitir-se posicionamento jurídico sobre a indagação da consulente.
a) As pessoas no Direito Administrativo
Como cediço, a Administração Pública pode ser entendida como um complexo de órgãos e entidades aos quais se confiam funções administrativas e que cuidam da atividade de administrar e gerir serviços públicos para a consecução direta, ininterrupta e imediata dos interesses públicos.
O Direito alemão inovou quanto à classificação das pessoas administrativas. Com arrimo na teoria do órgão, segundo a qual a pessoa jurídica opera por si mesma, sendo o órgão parte dela, e não ente autônomo, houve, categoricamente, a distinção do que vem a ser Administração direta e indireta, essa última dotada de personalidade jurídica própria.
Pois bem. Para atingir o seu desiderato, o Estado pode criar entidades dotadas de personalidade jurídica diversa, a fim de que atuem em paralelo com a Administração central, denominada de Administração direta. A razão da descentralização administrativa, por meio da criação de pessoa jurídicas distintas, varia:
A criação de entes simplesmente administrativos (Administração Indireta) derivou, na origem, de razões meramente técnicas, relacionadas ao princípio da eficiência administrativa. Verificou-se que a acumulação de todas as competências no âmbito do ente político gerava dificuldades insuperáveis na gestão pública. A tomada de decisões e sua execução tornavam-se extremamente lentas e difíceis. A criação de entes administrativos, titulares de
competências específicas, reflete a necessidade de especialização e redução da burocracia.
No entanto, a criação de algumas entidades autônomas decorre também de uma opção política, relacionada com a sofisticação do sistema de freios e contrapesos. A democracia exige a multiplicação de centros de poder, cada qual exercitando controle sobre o outro. A criação de uma autarquia, com garantias de autonomia de desempenho de
certas funções de grande relevo, conduz à redução do poder acumulado pelo poder central.
Sob esse prisma, o surgimento da Administração indireta reflete exigências não apenas de ampliação da eficiência, mas
também de democratização das funções administrativas.1 (Grifamos.)
Entre as entidades que compõem a Administração indireta, incluem-se as autarquias. As entidades autárquicas foram redefinidas no Decreto-lei no 200/67, art. 5o, inc. I, como:
Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e
financeira descentralizada.
No âmbito estadual, o art. 10, inc. I, da Lei no 338/98:
Art. 10 A Administração Pública Indireta compreende os serviços instituídos para o aperfeiçoamento da ação executiva do Estado no desempenho de atividades de interesse público, de cunho econômico ou social, podendo constituir-se de:
I – Autarquia – É o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão
administrativa e financeira descentralizada.2
Não há, nesses dispositivos legais, menção ao traço característico das autarquias: a sua personalidade de direito público. Mesmo diante da omissão legal, a doutrina e a jurisprudência não hesitaram em lhes reconhecer ditas características.
Ao contrário das próprias pessoas políticas, que nascem em plano superior ao da mera legislação, encontrando amparo para criação no Texto Político Maior,
(…) as pessoas administrativas de natureza puramente administrativa e existência contingente surgem no mesmo seio do Direito Administrativo como obra da lei ordinária, prepostas imediata e exclusivamente à atividade de Administração
Pública.3
Em suma, as autarquias dispõem de personalidade jurídica própria, o que afasta o dever de subordinação hierárquica à pessoa política que as criou, muito embora haja controle por meio da intervenção ministerial (no caso da Administração Pública federal).
Celso Antônio Bandeira de Mello, abordando, interessantemente, a distinção entre Administração direta e indireta, tenciona que, embora esta não esteja sujeita a uma subordinação decorrente da hierarquia, é, entretanto, passível de controle:
A palavra “controle” vai aqui usada em sentido estrito, em oposição à hierarquia, e designa o poder que a Administração
Central tem de influir sobre a pessoa descentralizada. Assim, enquanto os poderes do hierarca são presumidos, os do controlador só existem quando previstos em lei e se manifestam apenas em relação aos atos nela
indicados.4
O controle, ou tutela administrativa, distribuindo-se sobre os aspectos político, institucional, administrativo e financeiro, varia de acordo com a lei da organização administrativa da pessoa política à qual a entidade está vinculada.
O controle funda-se no fato normalmente conhecido como relação de vinculação, através do qual se pode averbar que toda pessoa da administração indireta é vinculada a determinado órgão da respectiva administração direta. São todas, pois, entidades vinculadas. A observação é feita para o fim de distinguir-se a relação de vinculação, fixada entre
pessoas, e a relação de subordinação, apropriada para o controle entre órgãos internos das pessoas administrativas.5
No âmbito federal, o Decreto-lei no 200/67 denomina o controle de supervisão ministerial, salientando que todo e qualquer órgão da Administração federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do ministro de Estado competente.
A intervenção ministerial, decorrente do poder de supervisão, e não de hierarquia, encontra-se sedimentada em nosso ordenamento por força da influência do Direito Administrativo francês. Exemplo disso pode ser visto na remota Lei no 3.807/60, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Previdência Social, a qual, em seu art. 133, previu a possibilidade de a Administração central intervir no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), “sempre que for necessário coibir abusos ou corrigir irregularidades”.
No domínio estadual, também se faz possível o controle, mas não necessariamente nos mesmos moldes da supervisão exercida no campo federal, decorrência, por óbvio, do princípio federativo e da capacidade que as pessoas políticas têm de se auto-organizar, autogovernar e auto-administrar.
b) Quanto à atribuição da Procuradoria-Geral do Estado do Amapá para o controle de licitações e contratos públicos da Administração indireta
Na esfera estadual, a Administração indireta possui características similares às do plano federal. O Decreto- lei no 200/67 tratou apenas da Administração indireta vinculada à União. Mas “isso não significa impossibilidade de os demais entes federais constituírem sua própria Administração Indireta”. 6
No Estado, o IAPEN é autarquia pública, conforme dispõe o art. 1o da Lei estadual no 609/01, in verbis:
Art. 1o Fica transformado o Complexo Penitenciário em autarquia, vinculado indiretamente à Secretaria de Estado
da Justiça e Segurança Pública, alterando a Lei no 0338, de 16 de abril de 1997, que dispõe sobre a Organização do Poder Executivo do Estado do Amapá. (Grifamos.)
Segundo previsto na Constituição do Estado do Amapá (art. 153), a Procuradoria-Geral do Estado é instituição essencial à Administração Pública estadual, cabendo-lhe a defesa de seus direitos e interesses nas áreas judicial e administrativa, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, bem como exercer outras funções conferidas por lei.
Não restam dúvidas de que o IAPEN, como autarquia estadual, integra a Administração Pública do Estado, ainda que Administração indireta. A dúvida persiste, justamente, em saber se a Procuradoria do Estado tem, ou não, atribuição para a defesa de interesses das entidades integrantes da Administração Pública indireta.
O Decreto estadual no 3.999/10, que obriga a prévia avaliação, pela Procuradoria-Geral do Estado, dos procedimentos licitatórios realizados pelos órgãos da Administração Pública direta, somente relaciona como
passíveis de avaliação pela Procuradoria os procedimentos licitatórios oriundos da Administração direta estadual, conforme seu art. 1o:
Art. 1o Todos os procedimentos concernentes à licitação ou contrato administrativo, originários de qualquer órgão da Administração Direta Estadual, deverão, obrigatoriamente, ser submetidos a parecer da Procuradoria-Geral do Estado, antes de sua realização, independentemente de manifestação anterior da assessoria jurídica do órgão administrativo
responsável pela condução dos mesmos.
No referido dispositivo legal, não há menção à Administração Pública indireta. Todavia, nas razões de edição do Decreto estadual, há consideração de que:
os órgãos jurídicos da Administração Indireta Estadual subordinam-se à supervisão da Procuradoria-Geral do Estado do Amapá , conforme preceitua o art. 2o, caput e § 1o da Lei Complementar no 006, de 18 de agosto de 1994.
O art. 2o, caput, combinado com o § 1o da Lei Complementar no 6, de 18 de agosto de 1994, dispõe:
Art. 2o A Procuradoria Geral do Estado – PROG é instituição essencial a Administração Pública Estadual, que representa, com caráter exclusivo, o Estado, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe a defesa de seus direitos e interesses, nas áreas judicial e administrativa, exercendo, ainda, as atividades de consultoria e assessoramento Jurídico
do Poder Executivo, e em especial: (…)
§ 1o Os Órgãos jurídicos da administração indireta estadual subordinam-se à supervisão da PROG. (Grifamos.)
Por mais que a Administração indireta goze de autonomia decorrente da existência de personalidade jurídica própria, ainda assim, por força da norma expressa no art. 2o, caput e § 1o, da Lei Complementar estadual no 6/94 – Lei da Procuradoria-Geral do Estado –, há controle jurídico da Administração indireta pela Procuradoria do Estado, que permite a avaliação dos atos praticados.
Entretanto, no caso em tela, não houve sequer a manifestação da Assessoria Jurídica da entidade, o que, por assim dizer, importa, no entendimento deste parecerista, em vício de procedimento. É dizer: uma vez analisado o caso em concreto sem a manifestação do órgão jurídico da entidade, o ato administrativo estará, inarredavelmente, viciado pela competência.
Explica-se: a supervisão, eminentemente jurídica, empreendida pela Procuradoria do Estado não carece da análise prévia da própria entidade. Dito de outro modo, há a necessidade de manifestação anterior do órgão jurídico da entidade, forte na independência administrativa e funcional da qual é detentora, até mesmo porque, na estrutura organizacional básica do IAPEN, o cargo de assessor jurídico (art. 2o, § 3o) encontra-se previsto.
Caso se tratasse de órgão, a questão seria um tanto diversa, eis que a análise da Procuradoria do Estado seria suficiente para sanar a mera irregularidade antes existente, pois, em se tratando de órgão subordinado à Administração direta, não há o que se falar em personalidade jurídica própria.
Por outro lado, o caso em tela envolve uma autarquia estadual, dotada de personalidade jurídica, cujo controle ou tutela administrativa, ou, simplesmente, supervisão, ocorre nos estritos limites previstos na lei, se e quando há previsão.
Assim, não há, necessariamente, obrigatoriedade de haver controle de todo e qualquer ato da
Administração indireta pela Administração central. O controle existe nos limites e nas hipóteses taxativamente previstos em lei (no caso da Procuradoria do Estado, controle do ato do órgão jurídico da entidade da Administração indireta).
CONCLUSÕES E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
À luz das exposições fáticas e jurídicas transcritas, e entendendo terem sido respondidos todos os questionamentos suscitados, esta Procuradoria opina pela possibilidade, única e exclusiva, de controle (supervisão) jurídico do ato jurídico (parecer) emitido pelo órgão jurídico da entidade da Administração indireta vinculada à Administração central, na forma preconizada no § 1o do art. 2o da Lei Complementar no 6/94.
Diante da ausência do ato jurídico mencionado (parecer do órgão jurídico do IAPEN), impossível a emissão imediata por esta Procuradoria do Estado, de parecer sobre o caso.
Com escusas de haver excedido o limite meramente técnico que a consulta formulava e adentrando um pouco na seara administrativa, é o que nos parece.
Remeto às considerações superiores.
Como citar este texto:
SOUSA, Guilherme Carvalho e. Recurso administrativo em procedimento licitatório realizado no Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Amapá. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 215, p. 28-32, jan. 2012.
1 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 239.
2 Disponível em: <http://www.al.ap.gov.br/galeria/100702105028PLO0005_97GEA.pdf>. Acesso em: 23 ago.
2011.
3 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 127.
4 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 151.
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 443.
6 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 243.