QUANTO À LIMITAÇÃO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS SERVIÇOS PÚBLICOS

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  1. Introdução. 2. Serviço público: problemática na definição do conceito. 3. Classificação dos serviços públicos e incidência do código de defesa do consumidor. 4. O papel das agências reguladoras. 5. O comportamento jurisprudencial. 6. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, é praticamente inegável a inci- dência da legislação consumerista – em especial, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – aos serviços públicos. A quase unanimidade da dou- trina já reconhece ser possível a aplicação. A ju- risprudência segue o mesmo caminho.

Todavia, em não raros casos, deparamo-nos com a aplicação desenfreada de normas contidas no CDC a todo e qualquer tipo de serviço público, sob a alegação de se tratar de “relação de con- sumo”, desvirtuando a finalidade do código pro- tetivo dos direitos do consumidor.

Portanto, o presente trabalho tem por obje- tivo avaliar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos serviços públicos, com o escopo de definir em quais casos é possível a aplicação da legislação consumerista e em quais casos ela não será aplicada.

Para tanto, iniciaremos com uma breve di- gressão sobre a conceituação de serviço público, passando pela sua classificação, esta tão somen- te a fim de demonstrar em quais tipos de serviços públicos virá a incidir o CDC.

Logo após, abordaremos, também, o papel das agências reguladoras, como forma de de- monstrar que, na maior parte dos casos, são elas que realizam as funções de fiscalização da corre- ta prestação dos serviços públicos, sobrepondo-

-se, portanto, às normas do CDC.

Por fim, faremos uma sintética abordagem do comportamento jurisprudencial sobre o tema, inclusive mencionando como têm se comporta- do os Tribunais do País, em especial o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na solução dos casos que lhes são apontados.

 

    • SERVIÇO PÚBLICO: PROBLEMÁTICA NA DEFINIÇÃO DO CONCEITO

O conceito de serviço público não é lugar comum na doutrina e na jurisprudência. As di- vergências sempre existiram e tendem sempre a aumentar, quanto mais com a ampliação das ati- vidades atualmente abordadas como tais.

Varia – e sempre variou – de acordo com o próprio conceito de Estado.

Por essa razão as definições do instituto se- riam tão variantes. No tempo e no espaço, tais aspectos (subjetivo, formal e material) também sofreriam alterações, ajustando-se às necessi- dades e peculiaridades de cada povo, em cada momento histórico.1

Na verdade, a noção não chegou até ago- ra a ser satisfeita. Há intensa dificuldade em se chegar a um consenso sobre seu preciso signifi- cado. Modifica-se, como acima mencionado, em conformidade com o tempo.

La nozione del servizio pubblico che è venuta finora a delinearsi, almeno in riferimento ai casi di servizi pubblici che si è detto di voler qui conside- rare prioritariamente, si è caratterizzata progres-

 

 

1.   SILVA, M., 2007, p. 813.

 

sivamente come prestazione de utilità al pubblico, offerte sul mercato, secondo criteri strutturali e funzionali di imprenditorialità almeno tendenziale o anche solo potenziale.2

Para o mestre Meirelles,3

o conceito de serviço público flutua ao sabor das necessidades e contingências políticas, econômi- cas, sociais e culturais de cada comunidade, em cada momento histórico, como bem acentuam os modernos publicistas.

Chevallier,4 por seu turno, traz preciosa lição sobre a importância do conceito de serviço públi- co, realçando a sua permanência na sociedade desde outros tempos, pois, para ele,

o conceito de serviço público inclui na esfera de funções coletivas, ou seja, as atividades apoiadas pela comunidade, ecoando os temas do bem co- mum, de interesse público ou de utilidade pública. É um conceito que tem raízes antigas e parece ser inerente à organização das sociedades modernas.

Interessante notar que Silva5 considera que “o serviço público é, pois, o que realiza o Estado quer o indivíduo precise ou tenha interesse nele, ou não. Portanto, são atos das autoridades públi- cas visando satisfazerem a necessidade coletiva”.

Ferreira6 esclarece, com clareza, que

o serviço público é bastante diferente dos serviços comuns prestados pelas empresas privadas ou pe- los prestadores autônomos, vez que está subordina- do ao interesse coletivo, transcendendo, portanto, o mero interesse individual de cada cidadão.

Pelas palavras da doutrinadora, já se pode visualizar que há profunda diferença entre os serviços públicos e os serviços em geral, pres- tados pelas empresas privadas sob o manto de uma relação jurídica de Direito Privado – estes sim, situados sob o campo de atuação do CDC.

O importante a mencionar é que o serviço pú- blico está relacionado com a aptidão para realizar certos valores fundamentais que são assumidos pelo Poder Público, sendo que, para se saber se determinada tarefa é ou não serviço público, é necessário saber qual a concepção política do- minante e qual o papel do Estado.

É justamente por conta disso que se diz que o conceito de serviço público não é algo estanque, paralisado no tempo, imutável. Muito ao contrário, ele se transforma com a alteração do papel assu- mido pelo Estado (mais ou menos interveniente), e, por que não dizer, com a alteração da própria sociedade, como já assinalado logo acima.

De outra banda, Maljar7 possui uma concep- ção mais restritiva sobre o conceito de serviço pú- blico, salientando que a noção encontra sua fren- te jurídica de justificação na publicatio, por meio da qual o Estado suprime determinada atividade do regime de liberdade de mercado, assumindo a titularidade da competência da mesma, com o fim de controlá-la.

Para Laubadère,8 o serviço público seria to- da atividade de uma coletividade pública visan- do satisfazer um objetivo de interesse geral, de toda a sociedade.

Rivero9 possui uma conceituação bem sim- plista, pois, para ele, “o serviço público é uma forma de atividade administrativa em que uma pessoa pública assume a satisfação de uma ne- cessidade de interesse geral”.

Fleiner10 entende que o serviço público é o conjunto de pessoas e meios que são constituí- dos tecnicamente em uma unidade e destina- dos a servir permanentemente a um fim público específico.

 

2.   PERICU; ROMANO; VIGORITA, 1995, p. 25. 3.   MEIRELLES, 1993, p. 294.

4.   CHEVALIER, Jacques. Le service public. Disponível em: <http://www.oboulo.com/service-public-jacques-chevallier-103562.html>. Aces- so em: 10 fev. 2010. Não paginado.

5.   SILVA, E., 2004, p. 54.

6.   FERREIRA, 2007, p. 44.

  1. MALJAR, 1998.
  2. LAUBADÈRE, 1976. 9.   RIVERO, 1981, p. 494.

10. FLEINER, 1933.

 

Di Pietro11 confere um conceito exemplar, ao mencionar que serviço público seria

toda atividade material que a lei atribui ao Esta- do para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer con- cretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.

Mello já possui um conceito um pouco dife- renciado, pois, para ele o regime de prestação do serviço público deve ser somente o regime de Direito Público.

Como toda e qualquer noção jurídica, esta – serviço público – só tem préstimos e utilidade se corresponder a um dado sistema de princípios e regras; isto é, a um regime, a uma disciplina pe- culiar daí que só merece ser designado como serviço público aquele concernente à prestação de atividade e comodidade material fruível dire- tamente pelo administrado, desde que tal presta- ção se conforme a um determinado e específico regime: o regime de direito público.12

Percebe-se, portanto, que, para Mello,13 so- mente se pode falar em serviço público se a pres- tação desse mesmo serviço se conformar a um regime de Direito Público. Daí surge a seguinte indagação: como fazer incidir a aplicação de uma norma de Direito Privado (Código de Defesa do Consumidor) em um regime de Direito Público?

Essa indagação faz-se pertinente, na medida em que a aplicação do CDC deve ser a mais res- trita possível. Os serviços públicos, ainda que não prestados sob um regime de direito totalmente público – como faz crer Mello14 – são-no por meio de um regime ao menos parcialmente público.

Por outro lado, a noção de serviço público também sofre profundas influências pela evolução das tecnologias, bem como em razão das relações entre as pessoas, físicas e jurídicas, públicas e privadas e com o próprio Estado, ensejando um natural aperfeiçoamento e causando um impac- to expressivo nas exigências sociais de qualida- de de vida em nível global, vertentes, em última

análise, do fenômeno a que se resolveu denomi- nar de globalização.15

As conceituações são bem diferenciadas.

Chevallier16 afirma que:

[…] o serviço público é um termo polissêmico, que abrange pelo menos três significados essen- ciais, entre os quais os deslocamentos recíprocos (glissements) são constantes. O serviço público é, ao mesmo tempo, uma entidade social (englo- ba diversas atividades e estruturas sujeitas às autoridades públicas); uma noção jurídica (acar- reta a aplicação de regras de direito específicas e derrogatórias do direito comum); um operador ideológico (em tese comanda a gestão pública e a finalidade à qual são atados os agentes públi- cos, constituindo o princípio do qual depende a legitimidade das suas ações). O vocábulo servi- ço público evoca, portanto, três tipos de signifi- cado (institucional, jurídico e ideológico), que se influenciam e se alimentam mutuamente de for- ma permanente.

Em suma, pode-se dizer que a prestação de serviços públicos visa atender às necessidades da população, sempre pautadas em regras de Direito Público, o que não faz afastar a incidên- cia de regras de Direito Privado, pois um regime não é excludente de outro.

A prestação de serviços públicos é atividade positiva da Administração que visa ao atendimen- to, em concreto, de determinadas necessidades ou utilidades que a sociedade atribui ao Estado, por meio da Constituição ou de lei, desenvolvido segundo normas e controles de direito público.17

Pode-se perceber que, por mais que exista uma tentativa de formação de um conceito de serviço público, impossível se faz a sua precisa definição. Ele varia no tempo e sofre, principal- mente, alterações segundo os modelos de Esta- do adotado.

Estabelecer, hermeticamente, se a prestação de serviços públicos sofre ou não influências de regras de Direito Privado (no caso, o Código de

 

11. DI PIETRO, 2004, p. 99. 12. MELLO, 1987, p. 18.

  1. Idem, ibidem.
  2. Idem, ibidem.
  3. SOUZA in SOUTO; MARSHALL, 2002, p. 397.
  4. CHEVALLIER, 2000, p. 21 apud ARAGÃO, 2007, p. 76. 17. SOUTO, 2000, p. 123.

 

Defesa do Consumidor, e em que dimensões), tendo em vista ser o seu regime, sumamente, de Direito Público, é tema tormentoso, com o qual nos ocuparemos no tópico seguinte.

 

3. CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR

Após toda a problemática na conceituação de serviço público – e ainda que não haja consenso doutrinário quanto à sua classificação –, impor- tante delimitar quais serviços públicos estão sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.

Há uma primeira corrente que entende não se deve aplicar o Código de Defesa do Consumi- dor à prestação de serviços públicos, sustentan- do, sinteticamente, que a prestação de serviços públicos se faz segundo normas de Direito Pú- blico, enquanto o Código de Defesa do Consumi- dor trata, prioritariamente, de normas de Direito Privado, sendo inviável, portanto, a incidência de um sobre o outro.

Importante mencionar que essa corrente já não encontra expressiva força na atualidade, pois, como se verá mais à frente, os Tribunais já têm re- conhecido, de forma maciça, a aplicação do CDC na prestação de serviços públicos, ainda que, na maior parte dos casos, com algumas limitações.

Além do mais, como acima já fora salientado, já não mais existe uma separação estanque entre o “Direito Público” e o “Direito Privado”, tamanha a publicização do Direito Privado e a privatização do Direito Público.

Já nos fins da década de 80, com a onda de privatizações, de retorno ao liberalismo econômi- co, através do crescente fenômeno da globaliza- ção dos mercados, a ideia de democracia política vai cedendo espaço à democracia de mercado. O conceito de usuário arrefece diante da ideia de consumidor. Sendo assim, hoje a ideia de consu- midor de serviço público já é aceita na doutrina.

A aplicação do Direito do Consumidor aos serviços públicos é uma decorrência fundamen- tal do movimento de liberalização econômica da

década de 80 e seguintes. Apenas a um serviço público liberalizado, sujeito à lógica econômica da concorrência, haver-se-ia de cogitar da aplicação, em maior ou menor escala, do direito comum de proteção aos consumidores.18

Portanto, a ideia de aplicação de direitos dos consumidores aos serviços públicos era quase que naturalmente inexistente, na medida em que havia a exclusividade na prestação dos serviços públicos, sendo, portanto, atividades excluídas do regime de mercado.

Essa primeira corrente defendia a total ina- plicabilidade do direito do consumidor aos servi- ços públicos, mas perdeu sua razão de ser diante da forte onda de privatizações e de liberalização dos mercados ocorridas no fim do século XX, que modificou o conceito de usuário de serviço pú- blico, atribuindo-lhe um sentido clientelista bem mais profundo, sob a perspectiva, inclusive, da ótica da responsabilidade, pautada no princípio da transparência.

Outra parte da doutrina entende que não há limitação na incidência do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos, sendo apli- cado a todo e qualquer serviço público, de forma invariável, posição com a qual não concordamos, como adiante demonstraremos.

Essa segunda corrente, que defende a apli- cação irrestrita da legislação consumerista aos serviços públicos, e que ainda encontra amparo em doutrina e jurisprudência reservadas (embora já não mais com a mesma intensidade de outro- ra), é que merece ser repensada por alguns Tribu- nais, de forma a garantir maior segurança jurídica.

Todavia, uma terceira corrente – à qual nos filiamos – defende a ideia de que somente os serviços públicos prestados mediante remune- ração podem ser enquadrados nas relações de consumo.

Os serviços públicos, todavia, que se en- quadram nas relações de consumo são somente aqueles prestados individualmente ao usuário-

-consumidor, seja o fornecimento do produto em si, ou de um serviço de qualquer natureza, mas sempre mediante remuneração. 19

 

 

18. ARAGÃO, 2009, p. 42.

19. PAULA, 1993, p. 405.

 

E quais serviços públicos são prestados me- diante remuneração? Acreditamos serem somen- te os serviços públicos industriais e comerciais, eis que os serviços públicos prestados sobre ou- tras formas (como, por exemplo, os serviços diplo- máticos) não ostentam as características neces- sárias à definição de uma relação de consumo.

Os serviços públicos de que trata o Código de Proteção e Defesa do Consumidor serão so- mente aqueles denominados de comerciais e in- dustriais, ou seja, aqueles cuja prestação importe em atividade produtiva secundária ou terciária, e cujo funcionamento é permitido graças à quitação de taxas pelo usuário-consumidor, ou mesmo, e mais frequentemente, por tarifas individualizadas que caracterizam cada vez mais a particularidade dessa prestação, tais como as de correios, trans- portes, fornecimento de água e energia elétrica.20

No mesmo sentido, podemos dizer que so- mente os serviços uti singuli são sujeitos à in- cidência do Código de Defesa do Consumidor, pois havendo divisibilidade e individualização, é possível falar em inadimplência do usuário e, consequentemente, em interrupção na prestação desse serviço.21

Esse o ponto principal a que se destina o pre- sente trabalho, é dizer, a tentativa de construir um critério objetivo para fazer incidir as normas do Có- digo de Defesa do Consumidor aos serviços públi- cos, limitando, portanto, a incidência desregrada.

A ampliação demasiada do Código de De- fesa do Consumidor aos serviços públicos pode ocasionar um efeito negativo ao próprio consumi- dor, além do que não é toda prestação de serviço público que pode ser vista como uma relação de consumo, em que há tipicamente um fornecedor e um consumidor, na exata extensão do texto legal.

[…] Parece-me que estender o âmbito de inci- dência do Código de Defesa do Consumidor para além das relações jurídicas existentes em que há uma remuneração pelo serviço é uma ampliação indevida, tanto do ponto de vista da técnica de in- terpretação do formal texto legal quanto do ponto

de vista de uma hermenêutica preocupada com os fins e efetividade da maior proteção do con- sumidor. Ademais, entendo que ao lado do risco da redução do caráter protetivo que reside na in- terpretação extensiva, na medida em que normas no Código de Defesa do Consumidor não se de- monstram adequadas a regular relações jurídi- cas estranhas ao mercado de consumo, como o imaginado pelo legislador, a interpretação criado- ra e integradora pode se ver tentada a mitigar os princípios do Código de Defesa do Consumidor em prejuízo do consumidor.22

Precisas as lições de Lopes:23

Como fornecedor, o Estado é um entre outros no mercado não age como autoridade, ainda que certas regras de direito privado sejam derrogadas. Nestes termos, está prestando um serviço cuja fruição, remuneração e prestação podem ser fei- tas uti singuli. Está, pois, em relações de consu- mo; não se está tratando aqui de relações de ci- dadania, como tipicamente é o caso dos serviços prestados uti universi. Alguns serviços públicos, chamados próprios, não são de relação de consu- mo; segurança, justiça, mas também, a meu ver, saúde, educação e vários outros que compõem a chamada cidadania social.

Como se percebe, a grande maioria da dou- trina entende que somente os serviços públicos comerciais e industriais podem sofrer a incidên- cia do Código de Defesa do Consumidor. E há grande vantagem e conveniência, pois

[…] ao se restringir o Código ao âmbito das relações jurídicas remuneradas mediante tarifa ou preço pú- blico, estamos no âmbito das relações jurídicas de direito privado, ao passo que se entendemos que a remuneração pode ser feita mediante taxa, já in- gressamos no âmbito do direito público e saímos do âmbito de uma relação contratual de consumo. 24

Todavia, há aqueles que entendem que a re- muneração dos serviços públicos não é critério essencial para a aplicação da legislação consu- merista, na medida em que, na realidade, todos os serviços públicos são remunerados, mesmo aqueles prestados de forma uti universi, quando

 

 

20. PAULA, 1993, p. 407-408.

21. SILVA, M., 2007, p. 816.

22. MACEDO JUNIOR, 2001, p. 91. 23. LOPES, 1996, p. 76.

24. MACEDO JUNIOR, op. cit., p. 82.

 

remunerados por meio de impostos, o que trans- muda, de forma desnecessária – e até imprati- cável –, a relação de consumo para uma relação essencialmente de Direito Público.

Ora, os serviços públicos são custeados por impostos (CF, art. 151, § 5º e Lei nº 4.320/64) em geral, taxas, tarifas e, ainda, por meios alternati- vos, acessórios ou complementares e com eles não se confunde o exercício do poder de polícia ou a atividade regulatória do Estado, nas quais o Estado age com uso da supremacia sobre o par- ticular; nem se confunde a prestação de serviços públicos com a exploração direta da atividade eco- nômica, na qual o Estado se insere num segmen- to reservado à iniciativa privada e, portanto, se submetendo às mesmas regras e princípios que orientam a atividade econômica privada (CF, art. 170, V, e 173, § 1º). Não há, pois, serviço público gratuito. Ao equiparar o usuário ao consumidor, o código não exigiu remuneração específica do serviço. A polêmica quanto ao destinatário final do serviço público – a indústria e o comércio – tam- bém não deve proceder, posto que tanto o indiví- duo como aquele que usa o serviço público como insumo na cadeia produtiva são considerados, sem exceção, usuários de serviços públicos, e, como tais, credores de sua prestação eficiente. 25

Mas como se percebe, essa posição é total- mente minoritária, na medida em que os serviços públicos remunerados por meio de impostos não guardam a peculiaridade da divisibilidade e espe- cificidade, o que permite a identificação do usuário.

Portanto, a uma primeira vista, parece-nos que, quanto a um critério doutrinário, em que pe- sem as divergências existentes, com todas as suas fundamentações, conseguimos identificar, de forma clara, quais serviços públicos podem sofrer incidência do CDC.

 

4. O PAPEL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Um outro aspecto extremamente interessan- te, que merece ser ressaltado, diz respeito ao pa- pel das agências reguladoras no direito dos con- sumidores. E por que falamos nesse assunto?

Ora, entender que o CDC pode ser aplicado a toda e qualquer prestação de serviço público é

anular o papel das agências reguladoras, propor- cionando-lhes um verdadeiro vazio de atuação. Na verdade, as agências reguladoras possuem funções próprias, que vão ao encontro dos ob- jetivos do CDC – defender o consumidor –, mas que somente podem por elas ser desenvolvidas.

Priorizar a interferência do CDC, indistinta- mente, na prestação dos serviços públicos ten- de a acarretar o enfraquecimento das agências reguladoras, eliminando seu campo de atuação.

Como se vê, é imprescindível que as agências reguladoras efetivamente tenham a independên- cia necessária, tanto do Poder Executivo quanto dos interesses privados das prestadoras de ser- viços públicos, para garantirem ao consumidor o direito de manifestar-se politicamente, a igualda- de de direitos, os direitos políticos, os direitos de participação, o direito de vocalização, o direito à informação constante sobre a gestão destas agên- cias reguladoras, de tal modo que ele possa ver garantido o seu direito básico, o seu direito trivial.26

Esse, aliás, é um fortíssimo motivo para que se possa limitar a incidência do CDC nas pres- tações de serviços públicos que não sejam co- merciais e industriais – segundo a classificação que se pretendeu estabelecer.

Inegavelmente, a privatização de boa parcela dos serviços públicos, antes inerentes, exclusiva- mente, ao Estado, proporcionou o crescimento do papel de atuação das agências reguladoras, permitindo, inclusive, uma modificação no con- ceito de usuário.

As agências regulatórias destinam-se, tam- bém, a realizar o equilíbrio dos contratos de servi- ço, pois sua atuação se dá no sentido de monitorar o processo de renegociação contratual entre os prestadores do serviço e os usuários do mesmo, agindo, nesse contexto, como um terceiro impar- cial que regula a relação de consumo do serviço público com a clara intenção de reequilibrar os in- teresses opostos, aumentando, assim, a função do Estado nos setores regulados.27

Hoje é cada vez mais frequente a fiscalização dos serviços públicos prestados, o que se faz no

 

25. SOUTO, 2000.

  1. MACEDO JUNIOR, 2001, p. 91.
  2. Idem, ibidem, p. 87.

 

dever da transparência. As agências reguladoras exercem papel preponderante de fiscalização, conferindo maior segurança aos administrados (consumidores), e lhes permitindo uma repre- sentação política, ainda que tímida, de atuação perante essas entidades.

Regulatory accountability is particularly im- portant when clear legislative mandates are hard to identify and when the divergent interests of va- rious groups of consumers are producers have to be balanced. Accountability matters all the more when there are fundamental disagreements about the purposes of regulation – whether, for instan- ce, economic efficiency should be the sole aim of utilities regulators or whether social objectives should be taken on board.28

Rossi29 leciona, com maestria singular, os pri- mórdios da evolução das agências reguladoras, salientando a ideia de que estas nasceram dian- te de uma nova concepção de Estado, menos in- tervencionista na economia, o que se deu pelas modificações no sistema de produção, acelera- ção e desenvolvimento tecnológico, globalização da economia, dentre outros fatores.

A inserção da concorrência na prestação dos serviços públicos fez com que o Direito do Consumidor passasse a ser “[…] um dos pilares da disciplina jurídica do mercado, mais especifi- camente da relação entre o pólo consumidor e o pólo produtor”.30

Já não mais se fala, unicamente, em usuário de serviço público, mas, sim, em consumidor de serviço público. A influência anglo-saxônica ao Di- reito romano-germânico ganhou novos ares. Há uma profunda mudança paradigmática no concei- to de destinatário do serviço público, na medida em que, como usuário, os direitos desse destina- tário são demasiadamente reduzidos, ao passo que, como consumidor, amplia-se o rol de direitos.

A mudança de foco – do interesse público titularizado e definido pelo Estado para os inte- resses dos cidadãos – é extremamente relevan-

te, pois dita toda a transformação nos vetores e pressupostos da regulação. Ela está refletida na singela mudança que faz o indivíduo passar de usuário de serviço público para consumidor de serviço público, uma passagem que não tem ca- racterísticas meramente semânticas, e sim reflete uma relevante modificação de enfoque. Enquanto o plexo de direitos do usuário é reduzido, a po- sição de consumidor dá ao indivíduo um status jurídico-protetivo bastante maior.31

Todavia, não é pelo fato de ter havido modi- ficação no conceito de usuário – provocado, até mesmo, pela intensificação do papel das agên- cias reguladoras – que toda e qualquer prestação de serviço público está sujeita às regras do CDC.

Por conta disso, é importante mencionar que, ainda no que diz respeito aos serviços comerciais e industriais, nos quais seja possível a identifica- ção do usuário (consumidor), não em todos os casos se pode falar em incidência do CDC.

É claro que as agências possuem um papel de relevante importância na fiscalização da pres- tação dos serviços públicos, sobremaneira dos serviços cuja execução não é diretamente pres- tada pelo Poder Público, através de seus órgãos e entidades.

Além disso – e por mais que a dicotomia não seja tão válida na atualidade –, as agências reguladoras atuam segundo normas essencial- mente de Direito Público, por mais que sofram in- fluências de normas de Direito Privado, ao passo que a fiscalização segundo as regras do CDC é, prioritariamente, seguida por normas de Direito Privado, ainda que haja influência de normas de Direito Público.

A inserção desse tópico no presente trabalho teve, exatamente, por propósito, tentar demons- trar que, em alguns casos, não há falar em inci- dência do CDC a determinadas especificidades na prestação de serviços públicos, pois se de- vem respeitar os campos de atuação das agên- cias reguladoras.

 

 

  1. BALDWIN; CAVE, 2002, p. 286.

29. ROSSI, 1995.

30. ARAGÃO, 2009, p. 43.

31. Idem, ibidem, p. 45-46.

 

 

5. O COMPORTAMENTO JURISPRUDENCIAL

O que cumpre analisar de forma específica nesse tópico é, justamente, como tem se compor- tado a jurisprudência quanto à aplicação do CDC aos serviços públicos. Já percebemos, ainda no introito do presente trabalho, que é praticamen- te inegável a utilização desse codex à prestação dos serviços públicos.

O ponto mais central enfrentado pela juris- prudência quanto à utilização do CDC aos ser- viços públicos diz respeito à interrupção do for- necimento dos serviços em face à inadimplência dos usuários.

O Código de Defesa do Consumidor,32 em seu art. 22, preconiza que os fornecedores de serviços públicos (mediante órgãos públicos ou empresas, concessionárias, permissionárias etc.) são obrigados a fornecer serviços contínuos. No entanto, a Lei Federal nº 8.987/9533 elencou em seu texto expressas hipóteses de interrupção desses mesmos serviços, cuidando, mais pre- cisamente, do problema do inadimplemento do usuário.

Travaram-se, na jurisprudência, severos de- bates sobre a impossibilidade de interrupção de serviços públicos essenciais aos consumidores, diante da nítida previsão contida no CDC, ape- sar de, desde outros tempos, a jurisprudência já se manifestar no sentido de ser possível a sus- pensão/interrupção dos serviços públicos pela ausência de pagamento dos usuários, conforme se infere do seguinte arresto:

Serviço Público – Fornecimento de água – Suspensão de fornecimento – Débito do usuário

– Taxa de água e esgotos – Natureza jurídica –

Preço público – Serviço de água – É legítima a suspensão do fornecimento de água por falta de pagamento da conta apresentada pela companhia de saneamento, de acordo com a lei que a criou.34

Sem muitos prolongamentos, até mesmo por- que não é o fim a que se propõe o presente tra- balho, a questão foi mais ou menos pacificada no sentido de permitir a interrupção do serviço dito essencial, diante do inadimplemento do usuário, afastando a incidência desmesurada do CDC, e se atendo aos critérios da razoabilidade e aos princípios gerais do Direito, sobremaneira a boa-

-fé e a vedação do enriquecimento sem causa.

A ideia de hipossuficiência prevista no CDC não engloba consumidores inadimplentes. Além do mais, a gratuidade não se presume. Portan- to, a interrupção no fornecimento do serviço não configura violação ao art. 22 do CDC, e “nem poderia, pois tal matéria, regulada por normas especiais, tem em vista os interesses público e coletivo envolvidos, que extrapolam o interesse particular do usuário”.35

Nesse sentido, o STJ decidiu que:

[…] o princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do CDC deve ser obtem- perado, ante a exegese do art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95 que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, consi- derado o interesse da coletividade. Precedentes.36

No mesmo sentido, o Min. Teori Albino Za- waski,37 com fundamentos diferenciados, mas com a mesma ideia, salientou que:

[…] tem-se, assim, que a continuidade do serviço público assegurada pelo art. 22 do CDC não cons-

 

 

  1. BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm>. Acesso em: 10 fev. 2010.

  1. BRASIL. Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L8987cons. htm>. Acesso em: 10 fev. 2010.
  2. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 85268/PR. Rel. Min. Cordeiro Guerra. 2. Turma. Julgado em 18.4.77. Dispo- nível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/704238/recurso-extraordinario-re-85268-pr-stf>. Acesso em: 10 fev. 2010.
  3. SCAPOLATEMPORE, 2001, p. 178.
  4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 805113/RS 2005/0210168-6. Rel. Min. Castro Meira. 2. Turma. Julgado em

23.9.08. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/914467/recurso-especial-resp-805113-rs-2005-0210168-6-stj>. Aces- so em: 10 fev. 2010.

  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 898769/RS 2006/0240399-0. Rel. Min. Teori Albino Zawaski. 1. Turma. Julgado em 1º.3.07a. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22111/recurso-especial-resp-898769-rs-2006-0240399-0-stj>.

 

 

titui princípio absoluto, mas garantia limitada pelas disposições da Lei nº 8.987/95, que, em nome jus- tamente da preservação da continuidade e da qua- lidade da prestação dos serviços ao conjunto dos usuários, permite, em hipóteses entre as quais o inadimplemento, a suspensão no seu fornecimento.

Especificamente nesse caso (possibilidade de interrupção no fornecimento de serviço es- sencial diante da inadimplência do usuário), já se pôde apreender um significativo avanço juris- prudencial, mitigando a incidência do CDC, de forma a aplicar as suas regras mais criteriosa- mente, uma vez que

ao se considerar a continuidade dos serviços como uma assertiva inabalável, chega-se a que todo e qualquer usuário esteja autorizado a não mais arcar com as suas obrigações junto ao for- necedor, ainda que disponha de obrigações de fazê-lo.38

Recentemente, a Min. Eliana Calmon39 con- firmou, mais profundamente, a tese de possibili- dade de interrupção no fornecimento de serviço essencial, ao afirmar que apesar de não se admitir a suspensão no fornecimento de energia elétri- ca em hospitais inadimplentes, diante da supre- macia do interesse da coletividade, é possível a aludida suspensão, quando se tratar de hospital particular, que funciona como empresa, com a finalidade de auferir lucros.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Jus- tiça parece já chancelar a tese de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável quando se está diante de típicas relações de Direito Priva- do, como a que ocorre nos serviços remunera- dos mediante taxas ou preços públicos. É o que se deduz dos seguintes julgados.

Tratando-se de serviços remunerados por ta- rifas ou preços públicos, as relações entre o Po- der Público e os usuários são de Direito Privado, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor,

ao identificarem-se os usuários como consumido- res, na dicção do art. 2º do CDC.40

Nesse sentido, caminha a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar que as normas do CDC não se excluem perante as nor- mas que regulam as concessões e permissões (Lei nº 8.987/95). O Tribunal entende que

Não existe incompatibilidade entre o sistema de regulação dos serviços públicos de titularida- de do estado prestados de forma indireta e o de proteção e defesa do consumidor, havendo, ao contrário, perfeita harmonia entre ambos.41

Para o STJ, não se pode aplicar o Código de Defesa do Consumidor a todo e qualquer serviço público, mas, tão somente, quando se está diante de uma relação de consumo.

Direito do consumidor. Perito. Auxiliar do Juízo. Orçamento de honorários. Art. 40, CDC. Não aplicação do Código de Defesa do Consumi- dor. Prestação jurisdicional. Inexistência de re- lação de consumo. Poder do Estado. Embargos de declaração. Intuito protelatório. Multa. Diver- gência não caracterizada. Recurso desacolhido.

    • – A atividade do perito nos processos judi- ciais encontra disciplina específica, na qualidade de auxiliar do Juízo, nos arts. 139, 145 a 147, 420 a 439, CPC, em cujas disposições se concentram os direitos e deveres do profissional nomeado pelo Juiz e os procedimentos de realização da prova pericial.
    • – A figura do perito mostra-se inerente à prestação jurisdicional, no âmbito da qual não se travam relações de consumo.
    • – A jurisdição não se inclui no mercado de consumo, já que não integra a sucessão de eta- pas ligadas aos bens, desde sua produção até a utilização final. Pondo-se de outro lado, situa-se a jurisdição entre os serviços públicos próprios do Estado, vale dizer, indelegáveis, inerentes à supremacia do interesse comum e à soberania.

 

38. SILVA, M., 2007. p. 821.

  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Petição de Recurso Especial 771.853/MT 2005/0128721-8. Rel. Min. Eliana Calmon. 2. Turma. Julgado em 2.2.10. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6538094/peticao-de-recurso-especial-resp-771853-stj>. Acesso em: 10 fev. 2010.
  2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 914498/RJ 2006/0283506-0. Rel. Min. Eliana Calmon. 2. Turma. Julgado em

7.5.9. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6068681/recurso-especial-resp-914498-rj-2006-0283506-0-stj>. Aces- so em: 10 fev. 2010.

  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 993511/MG 2007/0232869-0. Rel. Min. Eliana Calmon. 2. Turma. Julgado em 11.12.07b. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2018923/recurso-especial-resp-993511-mg-2007-0232869-0-stj>. Acesso em: 10 fev. 2010.

 

    • – Diferentemente, o consumo faz parte das relações econômicas, é conceito da Econo- mia protegido pelo Direito, que resguarda os in- teresses da coletividade ao assumir a acentuada presença da figura do consumidor, bem como sua posição hipossuficiente, na sociedade industrial.
    • – Não se examina em sede de recurso es- pecial ofensa às normas constitucionais.
    • – A dessemelhança entre as situações descritas no acórdão impugnado e no aresto pa- radigma não inaugura a via do recurso especial pela al. c do art. 105, III, da Constituição.42

É claro para o Tribunal que a aplicação do CDC aos serviços públicos deve se dar diante de nítida relação de consumo, o que demonstra um avanço, não permitindo que haja submissão sem parâmetros, garantindo-se maior segurança aos fornecedores de serviços e aos próprios usuários.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a leitura de todo o acervo doutrinário e jurisprudencial acima esboçado, percebemos que a formulação de um conceito preciso sobre servi- ço público é tarefa dificultosa, na medida em que varia no tempo e com a intensidade de interven- ção estatal na sociedade, além de outros fatores.

Mas, mesmo diante da inexistência de um conceito preciso, é assente na doutrina uma clas- sificação mínima, a qual se demonstra de rele- vante importância para o objeto a que nos pro- pusemos definir no presente trabalho, precisa- mente a limitação de incidência do CDC aos ser- viços públicos.

Portanto, podemos constatar que nem todos os serviços públicos estão sujeitos à legislação consumerista, mas somente os serviços que pos- sam ser remunerados, que permitam a identifica- ção do usuário, os serviços uti singuli.

Diante disso, constatamos que deve haver limites para a incidência do CDC nos serviços públicos, não só porque tal legislação tenha sua aplicação restrita a alguns tipos de serviços, mas também pelo fato de que a proteção dos consu- midores é feita tanto pela sua aplicação como

também pelo papel desempenhado pelas agên- cias reguladoras.

Verificamos, por fim, após análise jurispru- dencial, que, mesmo em se tratando de serviços nos quais possa ser aplicado o CDC (uti singu- li), os Tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, têm avançado no tema, restringindo a aplicação do CDC somente aos casos em que haja estrita relação de consumo.

Esse, então, foi o propósito do presente tra- balho, é dizer, demonstrar que a incidência do CDC nos serviços públicos deve ser limitada, de forma a garantir não só maior segurança nos contratos firmados, como também a permanên- cia de existência da legislação que regula as concessões e permissões e, prioritariamente, a manutenção dos interesses dos próprios con- sumidores, principais destinatários dos serviços públicos.

 

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  1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 213799/SP 1999/0041248-6. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. 4. Turma. Jul- gado em 24.6.03. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/225322/recurso-especial-resp-13799-sp-1999-0041248-6-stj>.

 

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. Superior Tribunal de Justiça. Re- curso Especial 914498/RJ 2006/0283506-0. Rel. Min. Eliana Calmon. 2. Turma. Julgado em

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. Superior Tribunal de Justiça. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 898769/RS 2006/0240399-0. Rel. Min. Teori Albino Zawaski. 1. Turma. Julgado em 1º.3.07a. Disponível em: <http:// www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia /22111/recur so-especial-resp-898769-rs-2006-0240399-0-stj>. Acesso em: 10 fev. 2010.

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