QUAL A EXTENSÃO DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 87, III, DA LEI Nº 8.666/1993? A POLÊMICA QUANTO AO DISSENSO ENTRE AS RECENTES DECISÕES DO STJ E DO TCU

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A discussão acerca da extensão da sanção prevista no art. 87, inc. III, da Lei nº 8.666/1993 não é nada recente. Já é mais que consabido os entendi- mentos do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto, bem assim do Tribunal de Contas da União, diga-se de passagem, assaz antagônicos. Ambos caminham em sentidos um tanto diversos.

O art. 87 da Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 8.666/1993, ex- pressa, textualmente, quais são as sanções que podem ser aplicadas pela inexe- cução total ou parcial do contrato. O inc. III do referido artigo assim dispõe, verbis:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração po- derá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes san- ções:

…………………………………………………………………………………………………….

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos.

O tema guarda, decerto, alguma controvérsia no âmbito da doutri- na e dos Tribunais de Contas. Para o STJ, não se faz a diferenciação, aludida por alguns doutrinadores, entre os termos Administração e Administração Pública. Sem dúvida, a tese majoritária, e pacífica no STJ, firma-se no sentido de entender a suspensão de contratar com a Administração a todos os órgãos e entidades pú – blicos:

[…] não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, ra- zão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. (RMS nº 32.628/SP; Rel. Min. Mau- ro Campbell Marques – 2ª Turma – DJe de 14.9.2011).

Em recentíssimo julgado, agora por meio de sua Primeira Sessão, o Superior Tribunal de Justiça pacificou, totalmente, a questão. Não que antes o assunto encontrasse alguma sombra de divergência, mas, por ocasião deste julga- mento, eis que oriundo da Primeira Sessão, à unanimidade, parece que o posicio- namento do Tribunal demonstrou-se mais evidenciado.

 

 

Apreciando o Mandado de Segurança nº 19.657/DF1, a Corte en- tendeu que “a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/93, suspendendo temporariamente os direitos da empresa em participar de licitações e contratar com a administração, é de âmbito nacional”. O entendimento do Tribunal, como já mencionado, não é em nada surpreendente. O que causa certa surpresa, contudo, é que, desta vez, a decisão é oriunda da Primeira Sessão, e à unanimidade, de- monstrando, portanto, uma consolidação da posição antes adotada.

E mais. O Tribunal de Contas da União, ao contrário do que já de- cidiu o Superior Tribunal de Justiça, mantém entendimento firme de que as san- ções previstas no art. 87, inc. III, da Lei nº 8.666/1993 limitam-se à esfera da enti- dade que as aplicou. Caricatamente, no mesmo dia em que fora veiculada a notí- cia no sítio do Superior Tribunal de Justiça (27.8.2013), referente ao julgamento do já mencionado mandado de segurança, o Informativo de Licitações e Contratos nº 165 do TCU veiculou: “a sanção prevista no art. 87, inc. III, da Lei 8.666/1993 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade sancionador, enquanto a prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 produz efeitos no âmbito do ente federati- vo que a aplicar”.

Destaque-se que a decisão é oriunda do Plenário do TCU, demons- trando, assim, que o entendimento é uniforme por parte daquela Corte de Contas. Segundo o Tribunal, “em se tratando de norma que reduz o direito de eventuais lici- tantes, cabe interpretação restritiva”. E destacou ainda: “a sanção prevista no inc. III do art. 87 da Lei 8.666/1993 produz efeitos apenas em relação ao órgão ou enti- dade sancionador, enquanto a prevista no art. 7º da Lei 10.520/2002 produz efei- tos apenas no âmbito interno do ente federativo que a aplicar”.

Como já dito e sobredito, não é novidade o entendimento de ne- nhum dos Tribunais. O que chama a atenção nos julgados é que ambos são de- cisões mais robustas, em especial porque o STJ assim se manifestou por meio de sua Primeira Sessão, à unanimidade. Fixados estes pontos, cabem algumas refle- xões.

A primeira delas, obviamente, passa pela  seguinte  indagação: qual das duas decisões é válida? A quem a Administração Pública e possíveis contratantes devem obediência? Este, por certo, é o ponto mais traumático da dis- cussão.

Todavia, o debate não se inquieta apenas com esta indagação. Há, por certo, uma total insegurança jurídica com os dois posicionamentos largamente divergentes. A Administração Pública, ao encetar uma contratação, “deve”  ou “pode” limitar a participação de licitantes que estejam suspensos de contratar com o Poder Público, suspensão esta cuja decorrência é oriunda de outra pessoa política

1 (STJ – MS nº 19.657/DF – 2013/0008046-9, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 14.8.2013, 1ª Seção, DJe de 23.8.2013).

 

 

que não a que aplicou a sanção? Dito de outro modo: há facultatividade, exemplifi- cativamente, para a Administração Pública Estadual não contratar com uma empre- sa que tenha sido suspensa de contratar com uma dada Municipalidade?

Não há espaço, neste ensaio, para maiores debates. Não se impri- mirá aqui qualquer opinião mais finalizada acerca do alinho dos julgados aponta- dos pelos dois Tribunais. Interessa, à guisa de considerações finais, estabelecer uma mera reflexão, de modo que, a nosso sentir, a questão deve ser amainada pelo Supremo Tribunal Federal, eis que o tema aqui objeto da discussão tem rela – ção quanto às atribuições do Tribunal de Contas da União (art. 71, CF/1988).

Trata-se, indubitavelmente,  de uma questão que reveste matiz constitucional, e que, portanto, o Supremo Tribunal Federal deverá manifestar-se, sob pena de uma eterna inquietação dos agentes públicos e privados envolvidos nos processos licitatórios, o que deságua em manifesta insegurança jurídica, indesejável para um Estado que se pretenda, além de democrático, acima de tudo, “de Direito”.

 

 

 

 

Por Guilherme Carvalho e Sousa – Advogado; Ex-Procurador de Estado; Doutorando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Uniceub; Professor universitário em Brasília – graduação e pós-graduação; Professor e palestrante em várias instituições de ensino; Articulista e parecerista

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