Parecer – Contrato administrativo de prestação de serviços – Análise de equilíbrio econômico-financeiro

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Parecer nº 275/2012 NCA-PGE/AP Processo nº 2012.18576

Origem: Departamento Estadual de Trânsito do Amapá Interessado: LUNIC Ltda. EPP.

Objeto: Análise de equilíbrio econômico-financeiro de contrato administrativo

 

Contrato administrativo de prestação de serviços Requerimento administrativo com pedido de reajuste de preços

Alteração do valor do salário-mínimo Fato previsível de consequência incalculável Equilíbrio econômico-financeiro Reajuste Impossibilidade Revisão contratual Possibilidade (inteligência do art. 65, II, d, da Lei 8.666/93)

 

Primeiramente, cumpre salientar que a análise do presente caso tem por fim, só e somente só, o parecer jurídico expedido pela Assessoria Jurídica da entidade, haja vista que o DETRAN-AP é uma autarquia estadual. Tal tema já foi demasiadamente debatido por esse parecerista, quando da emissão dos Pareceres nºs  891/111  e 1.176/11.

Explica-se: a supervisão, eminentemente jurídica, empreendida pela Procuradoria do Estado, não carece da análise jurídica prévia da própria entidade. Dito de outro modo há a necessidade de manifestação anterior do órgão jurídico da autarquia, forte na independência administrativa e funcional da qual é detentora, já que integrante da Administração indireta.

Assim sendo, não há, necessariamente, obrigatoriedade de haver controle de todo e qualquer ato da Administração indireta pela Administração Central. O controle existe, nos limites e hipóteses taxativamente previstos em lei (no caso da Procuradoria do Estado do Amapá, controle do ato do órgão Jurídico da entidade da Administração indireta).

Tendo em vista que o presente processo veio instruído com manifestação jurídica do órgão jurídico da entidade (DETRAN-AP)2, faz-se possível a emissão de parecer por esta Procuradoria, na forma preconizada no § 1º do art. 2º da Lei Complementar nº 6/94.

 

I RELATÓRIO

 

Trata-se de pedido de reajuste de preços do contrato de prestação de serviços de Agentes de Portaria firmado entre a empresa interessada e o Departamento Estadual de Trânsito do Amapá (DETRAN-AP).

O DETRAN-AP firmou, em 4 de junho de 2011, com a empresa interessada, contrato de prestação de serviços de

Agentes de Portaria, com vigência pelo prazo de 12 (doze) meses a contar da data de sua assinatura. No aludido contrato, não há cláusula prevendo reajuste de preços.

Sobreveio com a edição da Lei nº 12.382/11, regulamentada pelo Decreto nº 7.655/11, novo valor de salário-mínimo – R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais), com acréscimo, em relação ao salário-mínimo anterior – R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco reais), significante.

O contrato fora consolidado com base no piso salarial da categoria – Agentes de Portaria –, no importe de R$ 605,01 (seiscentos e cinco reais e um centavo), obtido na Convenção Coletiva de Trabalho de 1º de maio de 2011, e com vigência até 30 de abril de 2013, e firmada entre o Sindicato dos Trabalhado- res em Asseio e Conservação do Estado do Amapá e o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado do Amapá. Porém, com o novo valor do salário-mínimo regulamentado pelo Decreto nº 7.655/11, o salário profissional passou a ser inferior ao mínimo legal estabelecido no País.

A empresa reputou, portanto, que o incremento no valor do salário-mínimo oneraria sua folha de pagamento e, para tanto, requereu reajuste contratual, juntando, com seu pedido, planilha de custos de formação de preços (fls. 06-23).

O processo veio instruído com a já mencionada Convenção Coletiva de Trabalho e respectivo requerimento de registro no Ministério do Trabalho e Emprego, além do contrato convencionado entre o DETRAN-AP e a empresa requerente.

À fl. 77, há despacho do Coordenador Administrativo-Financeiro do DETRAN-AP, encaminhado à Assessoria de Desenvolvimento Institucional, solicitando análise e manifestação quanto à possibilidade de revisão do contrato. Esta, em despacho de 9 (nove) linhas, fl. 79, opinou pelo deferimento dos reajustes solicitados pela empresa.

O parecer jurídico do órgão jurídico da Secretaria, de fls. 83-88, opinou pelo deferimento do pedido de equilíbrio econômico-financeiro, com base no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.

Em sucinta síntese, eram os fatos que mereciam ser narrados.

 

Quesitos

 

  1. O que é e como se define o equilíbrio econômico-

-financeiro em um contrato administrativo?

  1. Qual a diferença existente entre revisão, repactuação e reajuste do contrato administrativo?

3. O que se entende por fato imprevisível e fato previsível de efeitos incalculáveis?

 

 

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4. O incremento salarial decorrente do aumento do salário-

-mínimo pode ser considerado fato imprevisível?

 

Diante dos quesitos acima formulados, passa-se a expender a opinião exarada no presente dictamen.

 

II FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

Quanto à mutabilidade do contrato administrativo

 

A mutabilidade, inerente ao contrato administrativo, é regra que independe de antecedente previsão legal, na medida em que ocorrem fatores que, diversamente, podem comprometer a estabilidade contratual prevista no momento da firmação da avença. Dessa feita, a Administração, utilizando-se da supremacia que o interesse público pode avançar sobre o interesse privado, impõe alterações unilaterais nos contratos, as quais são desatentas, em idêntica conformidade, aos interesses privados, tudo em consonância à variação cambiante inerente aos contratos administrativos.

Relembre-se, por igual modo, que os contratos administrativos também podem sofrer alterações por provocação do contratado, ou de comum acordo entre as partes – Poder Público e particular – sempre que ocorrentes fatores cuja previsibilidade, senão inexistente, é, ao menos, duvidosa ou de efeitos incalculáveis. Há, por certo, a necessidade de também se manter incólume o pacto contratual firmado de início, ganhando reforço, quanto a este ponto, a chamada cláusula rebus sic stantibus e, por igual, a Teoria da Imprevisão.

Compete, para o presente debate, enaltecer as alterações contratuais pactuadas consensualmente3, em especial destacando como fatores alheios ao contrato podem comprometer o equilíbrio econômico e financeiro da avença.

 

O equilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos

 

Antes da análise pontual do caso concreto, necessário tecer algumas considerações sobre o equilíbrio econômico-

-financeiro nos contratos. Longe da discussão atinente ao conceito4, a Constituição Federal assegura o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos:

 

“Art. 37”. Omissis

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

O equilíbrio econômico-financeiro dos contratos resguarda a manutenção do objeto pactuado, de modo a adaptar o contrato administrativo a qualquer circunstância factual que nele possa interferir. O objetivo da norma constitucional é afastar qualquer variação que intervenha nas condições con- tidas na proposta. Com efeito, a regra é que, paralelamente ao direito de a Administração exigir a execução do contrato, ao contratado particular seja garantido o direito ao lucro, restringindo a potestade da Administração.

Marçal Justen Filho pontua que:

 

 

“A tutela constitucional à equação econômico-financeira deriva de outros princípios constitucionais. Entre eles, estão os princípios da isonomia, da tutela e da indisponibilidade dos interesses fundamentais.”5

 

Celso Antônio Bandeira de Mello, manifestando-se sobre equilíbrio econômico-financeiro, esclarece:

 

“Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá.”6

 

Nessa linha, a equação financeira deve ser conservada durante toda a execução do contrato, afastando fatores exógenos que comprometam a retribuição devida pela Administração ao particular contratado. Assim sendo, qualquer quebra do equilíbrio contratual deverá ser restabelecida para que não haja prejuízos nem ao particular, quanto menos à Administração Pública, que tem a obrigação de efetuar o pagamento no patamar justo que foi fixado no início do contrato.

 

A diversa modalidade para se chegar ao equilíbrio econômico-financeiro

 

Como já mencionado, a equação econômico-financeira de uma avença é corolário do princípio da igualdade. É o restabelecimento de um status anterior quebrado por algum fator cuja previsibilidade era desconhecida ou, ainda que conhecida, de difícil mensuração, ou mesmo por fatores conhecidos, pontualmente previsíveis, a exemplo da correção monetária e da inflação. Logo, existem fatores que podem atingir o equilíbrio de qualquer contrato, carecendo-se, assim, de mecanismos de manutenção da igualdade contratual. O ordenamento nacional dispõe, portanto, de três instrumentos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro: reajuste, revisão e repactuação7.

O primeiro deles – reajuste – está ligado a uma situação de previsibilidade estampada, atrelada a uma variação de preço previsível, calculada, mantendo-se a inalterabilidade do contrato por meio de mecanismos previstos no próprio instrumento convocatório e no contrato, utilizando-se, no

 

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mais das vezes, de índices oficiais. Consiste, basicamente, em atualização monetária.

 

“O reajuste de preços pode ser conceituado como a alteração do valor do contrato, por meio de aplicação de índices previamente estabelecidos no ato convocatório da licitação e no respectivo ajuste, ou posteriormente eleito por acordo entre as partes, com observância de periodicidade mínima de um ano.

Na verdade, o reajuste teria por finalidade permitir expressamente a atualização dos valores fixados, a fim de manter o valor do contrato no mesmo patamar inicialmente avençado, sendo que apenas será devido nos termos expressamente previstos no ato convocatório da licitação e no respectivo ajuste celebrado.”8

 

A previsão de reajuste encontra-se contida no art. 40,

XI, da Lei nº 8.666/93, com a redação da Lei nº 8.883/94:

 

 

“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebi- mento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

(…)

XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela.”

 

O que, em suma, caracteriza o reajuste é a ausência de imprevisão. Em se tratando de fato imprevisível, a figura do reajuste perde sua natureza, em especial diante da obviedade de não se prevê em instrumento contratual, nem mesmo editalícia, fatos cuja ocorrência é incerta ou, ainda que certa, de efeitos duvidosos ou imprevisíveis9. Nesse sentido:

 

“O reajuste, por sua vez, tem lugar em decorrência da instabilidade econômica e da consequente variação dos preços dos bens, serviços ou salários, onerando demasiadamente a parte que dependia da aquisição dos produtos majorados em seu valor. Como mencionada flutuação econômica é rotineira, ordinária, tida até mesmo como normal, a mesma é por demais previsível quando da celebração de qualquer contrato, administrativo ou não. Assim, tendo em vista a previsibilidade da inflação e da elevação dos bens, serviços e salários, não se aplica, in casu, a teoria da imprevisão, uma vez que esta diz respeito a fatos imprevisíveis, e, portanto, não previstos no contrato.”10

 

Há que se notar que o reajuste está condicionado à existência de dois fatores: (i) previsão no instrumento convocatório

e no contrato; e (ii) obediência ao prazo mínimo de um ano, sem os quais o instituto é desnaturado11.

O Superior Tribunal de Justiça não destoa de tal posicionamento:

 

“Processual Civil e Administrativo. Contrato Administrativo. Reajuste de preços. Ausência de autorização contratual. Descabimento. 1. O reajuste do contrato administrativo é conduta autorizada por lei e convencionada entre as partes contratantes que tem por escopo manter o equilíbrio financeiro do contrato. 2. Ausente previsão contratual, resta inviabilizado o pretendido reajustamento do contrato administrativo. 3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.”12

 

Quanto à periodicidade mínima, precisas as lições de Joel Niebuhr:

 

“Em vista disso, afirma-se que o reajuste de preços está condicionado à periodicidade mínima. Cumprem advertir que o período mínimo de doze meses, ao fim do qual é devido o reajuste, não é contado da assinatura do contrato, como equivocadamente muitos supõem. O § 1º do art. 3º da Lei nº 10.192/01 prescreve com clareza que os doze meses contam-

-se da data da apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se refere.”13

 

Diverso é o instituto da repactuação, o qual se refere a serviços contínuos, no âmbito da Administração Pública Federal, sendo, assim, regulado por meio de Decreto Federal, não obrigatório para os demais entes federativos, porém, por eles podendo ser utilizado, dentro de sua competência legislativa. Na verdade, a repactuação é “o instrumento para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de prestação de serviços contínuos firmados pela Administração Pública Federal”14.

A repactuação – para muitos, um modo de reajuste e, por vezes, de revisão – foi previsto pelo Decreto Federal nº 2.271/97, tendo em vista a contratação de serviços contínuos no âmbito da Administração Federal direta e autárquica. A conceituação vem exposta no art. 5º:

 

“Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

Parágrafo único. Efetuada a repactuação, o órgão ou entidade divulgará, imediatamente, por intermédio do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais, os novos valores e a variação ocorrida.”

 

 

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DIREITO ADMINISTRATIVO GUILHERME CARVALHO E SOUSA

 

 

 

 

De igual modo ao reajuste e à revisão (adiante tratada), a repactuação visa à manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Complementando o disposto no Decreto Federal nº 2.271/97, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou a Instrução Normativa nº 2/08, cujo art. 37 admite a repactuação dos preços dos serviços continuados contratados desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir. Explicitando como se conta tal prazo, o art. 38 da mesma Instrução Normativa prevê:

 

“Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir:

  1. – da data-limite para a apresentação das propostas constantes do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo de materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou
  2. – da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão de obra e estiver vinculada às datas-bases destes instrumentos.”

 

Saliente-se que a figura da repactuação não é prevista na Lei nº 8.666/93, mas apenas em Decreto Federal. Há fortes semelhanças entre tal instituto e o reajuste15, de modo que se fazem necessários 2 (dois) requisitos: (i) interregno mínimo de tempo; e (ii) previsão no instrumento convocatório. Todavia, ao contrário do reajuste, a repactuação não pode ser realizada por meio do estabelecimento prévio de índices gerais ou setoriais, sendo necessária a sua apuração por meio da variação efetiva do custo de produção.

Por fim, a figura da revisão contratual, a qual, ao contrário do reajuste e da repactuação, trata de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, encontrando abrigo no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93, in verbis:

 

“Art. 65. Os contratos administrativos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(…)

II – por acordo das partes: (…)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”

Diferentemente do que ocorre com o reajuste e a repactuação, a revisão não carece de previsão editalícia, até mesmo porque oriunda de um fato imprevisível, não havendo como se compor, no instrumento convocatório, a sua previsão. Visa, na verdade, evitar o enriquecimento sem causa de qualquer das partes contratantes, podendo ocorrer a qualquer tempo, desde que existentes fatores imprevisíveis, ou previsíveis, todavia, de consequências incalculáveis.

 

A análise do caso em concreto

 

Mais uma vez, não é demais mencionar que a análise empreendida neste parecer cinge-se, exclusivamente, à opinião exarada pelo órgão jurídico da entidade. Ao contrário do que ocorre com a Administração Direta, esta Procuradoria não detém atribuição para avaliar todos os atos encartados neste processo administrativo posto sob crivo, uma vez que o ordenamento jurídico estadual assim não permite. Com- pulsando os autos, percebe-se que o parecer jurídico da Assessoria Jurídica do DETRAN-AP entendeu pelo deferi- mento do pleito da empresa requerente.

O contrato não prevê a cláusula de reajuste e, ainda que previsse, não se poderia utilizar tal instrumento de reequilíbrio, haja vista a inexistência de prazo mínimo de 1 (um) ano a contar da apresentação da proposta ou do orçamento a que esta se refere.

Assim sendo, totalmente inaplicável, ao presente caso, o instituto do reajuste. Caberia, por outro lado, aplicar a repactuação? A resposta é, de igual modo, simplória: não, já que inexistentes os requisitos para sua aplicação.

Resta, por fim, analisar o instituto da revisão contratual. Como já salientado, a revisão contratual exige, necessariamente, a existência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, mas de efeitos incalculáveis. Esta é, claramente, a literalidade do art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93. Perceba-se, acima de tudo, que todo o parecer jurídico do órgão jurídico da entidade foi embasado neste dispositivo legal.

Indaga-se: o que é um fato imprevisível? O que é um fato previsível de consequência incalculável? O incremento salarial decorrente do aumento do salário-mínimo pode ser visto com nuances de imprevisibilidade? A jurisprudência, quanto a esta específica indagação (incremento salarial decorrente do aumento do salário-mínimo), é vaga e vazia, muito embora não seja silente quando o tema é o incremento salarial decorrente de dissídio coletivo, o que não é o caso dos autos, veja-se:

 

“Administrativo. Agravo regimental. Contrato administrativo. Dissídio coletivo que provoca aumento salarial. Revisão contratual. Equilíbrio econômico-financeiro. Fato previsível. Não incidência do art. 65, inciso II, alínea d, da Lei nº 8.666/93. Álea econômica que não se descaracteriza pela retroatividade.

 

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  1. É pacífico o entendimento desta Corte Superior no sentido de que eventual aumento de salário proveniente de dissídio coletivo não autoriza a revisão do contrato administrativo para fins de reequilíbrio econômico-financeiro, uma vez que não se trata de fato imprevisível – o que afasta, portanto, a incidência do art. 65, inciso II, d, da Lei nº 8.666/93. Precedentes.
  2. A retroatividade do dissídio coletivo em relação aos contratos administrativos não o descaracteriza como pura e simples álea econômica.

3. Agravo regimental não provido.”16

 

 

“O aumento salarial a que está obrigada a contratada por força de dissídio coletivo não é fato imprevisível capaz de autorizar a revisão contratual de que trata o art. 65 da Lei nº 8.666/9317.

Em relação à revisão e dissídio coletivo, o entendimento dominante do STJ é no sentido de que o aumento salarial a que está obrigada a contratada, em decorrência de dissídio coletivo, não caracteriza fato imprevisível, não autorizando a revisão dos critérios contratuais ajustados no momento da celebração do contrato.”18

 

Vários outros tribunais, além das decisões do Superior Tribunal de Justiça, acima mencionadas, seguem o mesmo posicionamento, a exemplo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e de vários Tribunais Regionais Federais.

 

“Constitui fato previsível a ocorrência de dissídio coletivo que autoriza aumento do piso salarial da categoria profissional que executa os serviços contratados do particular pela Administração, não se podendo falar do rompimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a ensejar revisão de sua remuneração.”19

 

 

“Administrativo. Contrato administrativo. Reajuste sala- rial. Em decorrência de dissídio coletivo. Fato previsível. Inaplicabilidade da Teoria da imprevisão. I – Apelação cível interposta pela união Federal visando à reforma da r. sentença (fls. 146/155) que julgou procedente em parte o pedido autoral, para condenar a união a pagar as diferenças resultantes da revisão do contrato firmado com a autora, a partir do primeiro mês de sua execução, segundo o impacto representado nos custos constantes da sua proposta, referentes aos valores dos salários dos seus empregados e dos respectivos encargos sociais e previdenciários, como apurado em liquidação por arbitramento – perícia contábil. II – O aumento salarial dos empregados da contratada em decorrência de dissídio coletivo previamente conhecido é fato plenamente previsível que não autoriza a revisão contratual prevista no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça. III – Provimento do apelo e da remessa.”20

 

 

“Administrativo. Serviço de vigilância. Contrato administrativo. Convenção coletiva de trabalho da categoria. Reajuste salarial.

Equilíbrio econômico-financeiro. Art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.

Inaplicação. Apelação improvida.

 

 

  1. O aumento salarial de categoria, decorrente de convenção coletiva de trabalho é previsível e não faz parte do rol de requisitos legais que possibilitam alteração contratual com o fim de manter equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
  2. O art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93 é inaplicável à hipótese.”21

 

 

À luz dos julgados acima transcritos, percebe-se, veementemente, que o aumento de salários decorrente de dissídio coletivo não oportuniza revisão contratual, haja vista se tratar de fato previsível. Entretanto, a questão aqui debatida é outra: aumento salarial por força do aumento do salário-mínimo.

Houve aumento expressivo no valor do salário-mínimo, chegando, inclusive, a ultrapassar o piso salarial da categoria. A Constituição Federal de 1988 estabelece, entre os direitos dos trabalhadores, a garantia de salário nunca inferior ao mínimo22. Dessa feita, é evidente que a empresa interessada não poderá manter o salário de seus funcionários (agentes de portaria) inferior ao mínimo legal, por expressa vedação constitucional.

Quando da realização da licitação e consequente firmação do contrato administrativo, a proposta da empresa fora formalizada com base em salário profissional, à época, maior que o mínimo legal; porém, atualmente, este salário profissional encontra-se inferior ao próprio salário-mínimo, garantindo-se, assim, à empresa, o direito de revisar o contrato firmado, mantendo-se o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, evitando, por conseguinte, o enriquecimento injusto do Poder Público. Esta é, sem dúvida, a finalidade do instituto, o qual encontra, também, abrigo constitucional.

Poder-se-ia questionar sobre a previsibilidade do aumento do salário-mínimo. Por certo, a Lei nº 11.382 dispôs sobre o valor do salário-mínimo em 2011 e sua política de valorização de longo prazo. No entanto, o valor efetivo do incremento salarial somente veio a ser efetivado por meio do Decreto nº 7.655/11, de 23 de dezembro de 2011, que regulamentou, nos termos de art. 3º da Lei nº 12.382/11, o valor do salário-mínimo a partir de 1º de janeiro de 2012. Assim sendo, trata-se, sem dúvida, de um fato previsível, mas de efeitos incalculáveis, permitindo a revisão contratual.

 

III CONCLUSÃO

 

  1. Algumas  considerações

 

Ao lume do exposto, analisando o parecer jurídico do órgão jurídico da entidade – Parecer nº 081/2012 – PROJUR – avalia-se a utilização do termo correto para a manutenção

 

 

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do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo sob apreço: revisão contratual, prevista no art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.

Em que pese haver entendimento favorável deste parecerista quanto à concessão do pleito da empresa, alguns requisitos fogem à alçada deste Procurador e da própria Procuradoria do Estado, concernentemente à atestação se os valores pleiteados na recomposição estão corretos. É que, como já dito, a manifestação deste órgão é sobre o parecer jurídico do órgão jurídico da autarquia, e não sobre todo o processo, mantendo-se, dessa feita, incólume a autonomia funcional da qual é detentora.

Logo, cumpre ao setor competente do DETRAN-AP avaliar

do incremento do salário-mínimo, bem assim sobre quais custos tal aumento estenderá seus efeitos.

 

  1. A síntese possível e necessária

 

Diante do exposto, em consonância com os fatos e fundamentos jurídicos acima expendidos, e em atenção à manifestação da Assessoria Jurídica da Entidade, opina-se pelo deferimento do pleito da empresa interessada.

Com escusas de haver excedido o limite meramente técnico que a consulta formulava e, adentrando, um pouco, na seara administrativa, é o que nos parece.

Remeto às considerações superiores. Macapá, 20 de abril de 2012.

se os valores constantes nas planilhas de custos e formação

de preços juntados pela empresa interessada estão corretos, observando se o requerimento cinge-se, apenas, ao valor

Guilherme Carvalho e Sousa

Procurador do Estado

 

NOTAS

  1. SOUSA, Guilherme Carvalho e. Administração indireta – Supervisão – Princípio do controle – Possibilidade condicionada às hipóteses legais – Tutela eminentemente jurídica da análise jurídica do órgão jurídico da entidade (inteligência do art. 2º, caput c/c § 1º da Lei Complementar estadual nº 006/94). Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP, Belo horizonte, ano 10, n. 120, p. 81-84, dez. 2011. Parecer.
  2. Parecer jurídico nº 081/2012 – DETRAN.

3 Não se desborda do relevo que as alterações unilaterais empreendidas pela Administração ganham na doutrina e jurisprudência.

  1. A doutrina diverge sobre a conceituação. Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 599-600, o qual conceitua contrato administrativo da seguinte forma: “é um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições pré-estabelecidas sujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”.
  2. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 717.

6 BANDEIRA DE MELLO. Ob. cit., p. 619.

  1. Sobre o tema: “OLIVEIRA, Ricardo Alexandre Pinheiro de. O equilíbrio econômico-financeiro lato sensu dos contratos administrativos e as suas múltiplas espécies. Revista Zênite Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 216, p. 125-137, fev. 2012”.
  2. OLIVEIRA FILHO, Gilberto Bernardino de. Repactuação, revisão e reajuste. Boletim de Licitações e Contratos BLC, n. 2, 2007,

p. 129.

  1. “O reajuste é o instrumento que se presta a manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato em face da variação de preço previsível, normal, lenta, paulatina, que, de certa maneira, decorre do fenômeno inflacionário”. NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 2. ed. Belo horizonte: Fórum, 2011, p. 884.
  2. ARAÚJO, Kleber Martins de. Contratação pública – Edital – Contrato – Reajuste – Revisão – Reequilíbrio econômico-financeiro. Revista Zênite de Licitações e Contratos ILC, Curitiba: Zênite, n. 110, abr. 2003, p. 301.

11 “Então, o reajuste deve ser obrigatoriamente disciplinado pelo edital de licitação pública. Pode-se afirmar, por consequência, que se o edital não dispõe sobre o critério de reajuste, ele contraria a lei e, por óbvio, é ilegal”. Mesmo assim, o autor pondera que “é devido o reajuste independentemente da previsão no edital ou no contrato”. NIEBUHR, Joel de Menezes, ob. cit., p. 885-886.

  1. REsp nº 730.568/SP, 2ª Turma. Relª. Eliana Calmon. Julgado em: 06.09.07.
  2. NIEBUHR, Joel de Menezes, ob. cit., p. 889.

14   Idem, p. 884.

15   Textualmente, o caput do art. 37 da IN nº 2/08 do MPOG categoriza a repactuação como forma de reajuste.

  1. STJ, AgR no REsp nº 957.999, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques. Julgado em: 22.06.10.
  2. STJ, REsp nº 411.101, Relª. Minª. Eliana Calmon, DJ de 08.09.03.
  3. STJ, AgREsp nº 239.964, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 16.11.04. 19  TJ/DF, Apelação nº 46.156/97, julgado em: 20.04.98.
  1. TRF2. Apelação Cível nº 1996.51.01.000206-0, 5ª Turma Especializada. Rel. Castro Aguiar. Julg. 18.08.10.
  2. TRF5. AC nº 452.423, 3ª Turma. Rel. Maximiliano Cavalcanti. Julgado em: 02.07.09.

22   Art. 7º, vII, CF/88.

 

 

 

 

GUILHERME CARVALHO E SOUSA é Procurador do Estado do Amapá da Classe Especial lotado em Brasília (DF), mestrando em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB-DF, Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes (RJ), Professor de Processo do Trabalho do IESB (DF) e Professor do Curso de Pós-Graduação da Faculdade CEAP (AP). Advogado militante, com atuação prioritária nos Tribunais Superiores.