O silêncio administrativo na Lei nº 14.133/2021

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A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos prevê, em seu artigo 123, caput, que “a Administração terá o dever de explicitamente emitir decisão sobre todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos regidos por esta Lei, ressalvados os requerimentos manifestamente impertinentes, meramente protelatórios ou de nenhum interesse para a boa execução do contrato”.

O referido dispositivo legal é completamente inovador, uma vez que em nenhuma das legislações pretéritas que tratam sobre normas de licitação e contratação pública (Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/202, Lei nº 12.464/2011), francamente revogadas pela Nova Lei (artigo 193, II), há qualquer previsibilidade quanto ao prazo imposto à Administração para elucidação de dúvidas pelos contratados.

Seguindo a mesma linha, o parágrafo único do artigo 123 da Lei nº 14.133/2021 preconiza que “salvo disposição legal ou cláusula contratual expressa que estabeleça prazo específico, concluída a instrução do requerimento, a Administração terá o prazo de 01 (um) mês para decidir, admitida a prorrogação motivada por igual período”. Inegável, portanto, que o Poder Público tem a obrigatoriedade de fornecer informações sobre a execução dos contratos.

Um primeiro ponto que deve ser levantado diz respeito à delimitação legislativa ao restringir as elucidações sobre solicitações e reclamações tão somente, pela literalidade da lei, à execução dos contratos. O simples fato de o artigo 123 estar alocado no Capítulo VI, que trata da “Execução dos Contratos”, não tem o condão de limitar o dever de a Administração Pública possuir um prazo razoável quanto aos questionamentos de interessados, inclusive na fase do processo licitatório, podendo ser adotado, na ausência de prazo específico, o mesmíssimo lapso temporal de um mês a que faz referência o parágrafo único do artigo 123 acima mencionado.

Para além, a Lei nº 14.133/2021, notadamente prodigiosa quando comparada às legislações anteriores, obrigando a Administração a se posicionar quanto às solicitações dos interessados, não avança, entretanto, no mesmo grau já alcançado pela Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que, em seu artigo 3º, IX, afiança ao particular interessado no trâmite de um processo administrativo (tal qual o é o processo licitatório, bem assim todo o processo de contratação pública) o direito de ser respondido em tempo hábil e, em inexistindo a devida resposta, concede-se, magnanimamente, eloquência ao silêncio administrativamente perpetrado pela Administração.

Bem se veja, portanto, que o caput do art. 123 da Lei nº 14.133/2021 circunscreve-se a balizar o dever da Administração de, explicitamente, emitir decisão sobre as demandas que lhe são requeridas no que toca à execução dos contratos, exclusive se o requerimento for, a juízo próprio — e, aparentemente, discricionário — da Administração, manifestamente impertinente, protelatório ou de nenhum interesse para a execução do contrato. Logo, em havendo essa interpretação por parte da Administração, há a desnecessidade de ofertar qualquer aclaramento, à deriva de um justo motivo que enseje a obrigatoriedade de um posicionamento administrativo.

Todavia, o que parece ser inoportuno para a Administração e, por isso, de dispensável elucidação, pode ter significação estruturalmente substancial para aquele que propõe a sanatória da inquietante súplica, devendo, neste caso, haver um posicionamento administrativo contundentemente denegatório, explicitando, motivadamente, que se trata de uma das hipóteses previstas na parte final do caput do artigo 123 “(…) manifestamente impertinentes, meramente protelatórios ou de nenhum interesse para a boa execução do contrato”.

Dito de outro modo, não há como o particular contratado, interessado em esclarecer solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos, deduzir que sua própria demanda é desguarnecida de legitimidade e, por decorrência, interpretável como indevida. Por isso — e com mais razão — cabe à Administração demandada clarificar inclusive os motivos pelos quais a reclamação (ou outro instrumento que lhe faça as vezes) não impõe a necessária manifestação. Assim sendo, todos estes imbróglios têm de ser resolvidos motivada e fundamentadamente, pena de se interpretar a negativa da pronta resposta como um eloquente silêncio.

Ao transcorrer o escopo normativo, indene de dúvidas que o avanço legislativo caminha para além da norma prevista no caput, porquanto constitui, como acima mencionado, um prazo próprio para a Administração, estabelecido, como razoável, o interregno de um mês, a menos que outra disposição legal ou contratual aponte em caminho outro. A possível incerteza que ainda remanesce, eis que não elucidativamente aclarada à luz da interpretação do artigo 123 como um todo, tangencia a absoluta ausência de manifestação administrativa. Neste caso, transcorrido o prazo de um mês a que se refere o parágrafo único do artigo 123, pode-se interpretar a fulminante inércia da Administração como silêncio administrativo? Adiantadamente, entendemos que sim, por quê?

Primeiramente, porque há disposição normativa que supre a lacuna normativa da Lei nº 14.133/2021, encontrável na Lei de Liberdade Econômica, que, em seu artigo 3º, IX, estabelece que:
Artigo 3º — São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal:
IX – ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Lei, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei”.

Da leitura do aludido dispositivo, é fácil depreender a exigência de uma previsão, para o contratado, sobre a duração do processo, o que atende, sem qualquer margem de dúvidas, a disposição contida no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, segundo a qual: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Não é crível que a solicitação de um contratado possa ficar à mercê de uma resposta, sem prazo fixado, por parte da Administração contratante, e sem que o agente privado tenha uma prefixação estimada do tempo necessário para ultimação dos atos públicos tendentes à conformação do seu pleito. A maior inovação do dispositivo (inciso IX do artigo 3º da Lei de Liberdade Econômica) diz respeito à aprovação tácita, decorrente do silêncio administrativo, possibilitando ao particular obter da Administração uma resposta, face à ausência de manifestação em tempo hábil.

Como se percebe, o inciso IX do artigo 3º da Lei nº 13.874/2019 contempla, claramente, os requisitos necessários para que se opere o silêncio administrativo, porque menciona a existência de um regular processo administrativo (tal qual o processo de contratação pública), com o estabelecimento de prazo para conclusão da resposta quanto ao esclarecimento perseguido — que é de um mês —, bem assim acentua, de forma bastante definida, que, caso a Administração não cumpra o prazo assinalado, haverá uma aceitação tácita, operando-se, no caso em concreto, os efeitos decorrentes do silêncio administrativo.

Ao se interpretar conjuntamente os dispositivos das duas mencionadas leis, chega-se a uma solução ótima, haja vista que a vagueza normativa contida no inciso IX do artigo 3º da Lei de Liberdade Econômica, que fala em “(…) prazo máximo estipulado para análise de seu pedido (…)”, é suprida pelo prazo legal próprio de um mês, expressamente previsto no parágrafo único do artigo 123 da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Logo, não cumprido o prazo legal de um mês, a ausência de resposta da Administração quanto às solicitações relacionadas à execução dos contratos e a outros temas de licitação e contratos administrativos, deverá ser interpretada como silêncio administrativo, cuja eloquência guarnece a segurança jurídica almejada pelo particular contratado. Do contrário, é imaginar a possibilidade de um órgão ou entidade, não serem obedientes à norma, tampouco a seu prazo.

Definitivamente, não são esses os fins almejados pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que gravitam em torno da desburocratização e da eficiência, propulsando o pleno desenvolvimento do processo de contratação pública, maiormente na fase da execução do contrato, cujas recalcitrâncias tendem a ser sobressalientes.