LICITAÇÃO – PREGÃO ELETRÔNICO – REANÁLISE DA FASE INTERNA DO CERTAME – NECESSIDADE DE RETIFICAÇÃO DO EDITAL

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Parecer no 211/2012 NCA-PGE/AP

Processo no 28580.001/2012 – SEJUSP
Interessado: Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública

Objeto: Processo licitatório para contratação de empresa especializada no fornecimento de passagem aérea para o exercício de 2012.

LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. REANÁLISE DA FASE INTERNA DO CERTAME. NECESSIDADE DE RETIFICAÇÃO DO EDITAL.

Inicialmente, cumpre mencionar que o presente processo já fora objeto de análise nesta Procuradoria em outra oportunidade, quando da emissão do Parecer no 131/2012, da lavra deste mesmo Procurador (devidamente homologado pelo Procurador-Geral do Estado), ocasião em que foram solicitadas algumas alterações no instrumento convocatório – edital do pregão eletrônico – e a necessidade de saneamento de algumas falhas inerentes à fase interna do certame.

Empreenderam-se, pois, os atos ulteriores. Consta, à fl. 68, decisão do Secretário de Estado, em que autoriza a realização da licitação na modalidade pregão eletrônico, adotando o sistema interno de registro de preços, bem assim, na mesma folha, despacho da Delegada de Polícia Civil – Chefe de Gabinete da Secretaria, encaminhando os autos do processo administrativo sob epígrafe à comissão permanente de licitação para as providências e diligências estampadas no parecer exarado pelo Procurador que a esta subscreve, ambos os documentos datando de 06.03.2012.

Às fls. 69-70, há documentação relativa à Portaria de designação do pregoeiro e da equipe de apoio, como também certificado de participação em curso de pregões presencial e eletrônico, falha que já havia sido apontada anteriormente.

Das fls. 72-100, novamente edital do pregão eletrônico com respectivos anexos, no qual fora excluído, na totalidade, o subitem 4.1.2,1 em desatenção à exposição do parecer anterior.

À fl. 101, despacho do presidente da comissão permanente de licitação para que fossem empreendidas as recomendações desta Procuradoria.

Às fls. 102-104, também com o objetivo de sanar as omissões apontadas na recomendação jurídica da Procuradoria, juntam-se três orçamentos de três empresas distintas, relativamente aos trechos sobre os quais se deseja encetar a contratação. À fl. 105, há um mapa de julgamento, no qual consta a média de preços entre as três propostas.

A manifestação da assessoria jurídica consta às fls. 108-110, a qual, permissa venia, é demasiadamente genérica, direcionando, apenas, os aspectos que já são evidentes em toda e qualquer licitação, além de aludir a obviedades que não merecem estar insertas no corpo de posicionamentos jurídicos, v.g., “assim, deve a elaboração do edital, por ter natureza discriminatória, seguir os preceitos legais, ou seja, tem de obedecer aos requisitos indispensáveis à elaboração (Lei no 10.520/02) – fls. 109, terceiro parágrafo”.

Por meio de simples vistoria em todo o processo, percebe-se que as recomendações foram devidamente atendidas, à exceção do que se expusera quanto ao subitem 4.1.2 do edital (fl. 65 do presente processo e fl. 06 do Parecer jurídico no 131/2012, último parágrafo). É que, conforme constou no Parecer, opinou-se pela retificação desse subitem apenas quanto à impossibilidade de empresas em recuperação judicial e extrajudicial participarem do certame.

Pois bem. Na verdade, compulsando os autos e fazendo um comparativo entre os dois editais juntados (primeiro edital de fls. 21-56 e segundo edital de fls. 72-100), percebe-se que o subitem arriba mencionado foi totalmente excluído, é dizer, na forma como o edital se apresenta, qualquer empresa, ainda que dissolvida, liquidada, etc. poderá participar do processo licitatório. Não foi, contudo, esse o objetivo que se cuidou de empreender quando da análise anterior.

É que, conforme consta no Parecer no 131/2012 já mencionado, requereu-se a retificação do subitem 4.1.2 do edital apenas e tão somente no tocante à impossibilidade de as empresas em recuperação judicial e extrajudicial participarem do certame.

Em momento algum se opinou pela supressão total do subitem, uma vez que a exigência consta na própria Lei no 8.666/93, em seu art. 31, inc. II. Dessa feita, existe sim a possibilidade de manter o edital tal qual se apresentou a esta Procuradoria quando da realização da primeira análise, isto é, com o subitem 4.1.2 incólume, eis que os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre tal assunto são díspares.

Obrou este Procurador tão apenas uma opinião doutrinária pessoal, a qual continua inalterável. Para tanto, a fim de que o órgão consulente possa decidir sobre o assunto com mais robustez, segue, nas linhas abaixo, uma pequena, porém profunda, fundamentação jurídica sobre a possibilidade ou a impossibilidade de empresas em recuperação judicial e extrajudicial contratarem com o Poder Público.

A RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E A PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES E CONTRATOS

Segundo salientado, no Parecer no 131/2012, opinou-se pela retificação do subitem 4.1.2, no que importa à possibilidade de empresas em recuperação judicial e extrajudicial participarem da licitação. Mais uma vez, ressalte-se: opinou-se pelo ajuste do subitem apenas quanto a esse ponto.

O Procurador que a esta subscreve mantém indene seu posicionamento. Todavia, como se verá, trata-se de um posicionamento jurídico que, em razão da forte discussão doutrinária, pode ou não ser acatado pelo órgão consulente. Em outras palavras, não cabe à Procuradoria imiscuir-se no papel decisório do consulente quanto a

esse ponto, sobremaneira pela existência de divergência em relação tema.

Pois bem. A Lei no 8.666/93, em seu art. 31, inc. II, quando enumera a documentação relativa à qualificação econômico-financeira das licitantes, estabelece que:

Art. 31 A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á: (…)

II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física. (Grifamos.)

Ocorre que o instituto jurídico da concordata já não mais é vigente, tendo sido substituído, parcialmente, pela recuperação judicial de empresas, respeitadas, com obviedade, as peculiaridades inerentes a cada um dos institutos.

Até mesmo antes da edição da Lei no 11.101/05,2 a aludida normal legal – art. 31, inc. II, da Lei no 8.666/93 – era debatida pela doutrina e jurisprudência com bastante veemência.3 O questionamento vagava, inclusive, quanto à impossibilidade de participação de uma empresa em determinado certame quando da existência de processo falimentar sem trânsito em julgado.4

Ocorre que, até 09.02.2005, a legislação que regia o processo falimentar no Brasil era o Decreto-lei no 7.661/45, o qual não previa a figura da recuperação judicial e extrajudicial das empresas, estabelecendo, unicamente, a falência e a concordata (preventiva ou suspensiva).

A Lei no 8.666/93 foi promulgada sob a égide do Decreto-lei no 7.661/45. Todavia, doze anos após a promulgação da Lei de Licitações, a Lei no 11.101/05 criou as figuras da recuperação judicial e extrajudicial, cujo objetivo ultrapassou, sumamente, o desígnio da antiga concordata. Na verdade, no Brasil, a inexistência de uma eficiente legislação falimentar e recuperativa de empresas era causa de fuga de capital estrangeiro, pois outros países possuíam um aparato legislativo mais interessante, o que ocasionava maior arrojo de novos investimentos.5

Portanto, a leitura do dispositivo legal na Lei no 8.666/93 não pode ser vista com olhares voltados para o retrógado Decreto-lei no 7.661/45, cuja teleologia divergia, às claras, da nova Lei recuperativa de empresas – Lei no 11.101/05. Inclusive, os novéis institutos jurídicos criados – recuperações judicial e extrajudicial – não guardam total consonância com os institutos anteriores (concordatas preventiva e suspensiva).

A análise do dispositivo legal previsto na Lei de Licitações não pode ser desvencilhada do objetivo central do instituto da recuperação: manter viva a empresa, produzindo e circulando riqueza.

Ressalve-se, acima de tudo, que boa parte das empresas tem nos contratos administrativos parcela representativa de suas receitas, devendo, portanto, o Poder Público cooperar com a sua recuperação. Há, contudo, doutrina em sentido contrário:

A recuperação judicial (e extrajudicial), mecanismo introduzido em substituição à antiga concordata, desperta atenção. Deve-se ter em vista que a recuperação judicial não é um mesmo nome para o mesmo instituto. Suas finalidades e seu regime jurídico são distintos dos da antiga concordata. No entanto, afigura-se que o entendimento dos efeitos da

concordata sobre a contratação administrativa deverá ser aplicado à recuperação judicial.

Em primeiro lugar, mantém-se a presunção de insolvência relativamente ao sujeito que pleiteia a recuperação judicial. Esse é o aspecto fundamental, que conduz à inviabilização da contratação administrativa. Esse é o fundamento pelo qual se reputa que também a recuperação extrajudicial se traduz em impedimento à habilitação para participar em

licitação.6

Além do mais, a Lei no 11.101/05 é silente quanto ao questionamento, eis que continuou a falar no art. 95 apenas dos casos de empresas que sofreram processo falimentar: “a decretação da falência das concessionárias de serviços públicos implica extinção da concessão, na forma da lei”.

Uma interpretação, a contrario sensu, do art. 195 da Lei no 11.101/057 induz, até mesmo, à possibilidade de empresas em recuperação judicial ou extrajudicial contratarem com o Poder Público, uma vez que não há restrição, nesse dispositivo legal, quanto a tal ponto específico.

Uma análise do art. 52, inc. II, da Lei no 8.666/93 permite, contudo, uma leitura diversa:

Art. 52 Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

(…)

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,

observando o disposto no art. 69 desta Lei.

O Superior Tribunal de Justiça não possui julgado específico quanto ao tema. Infere-se, via pesquisa no sítio do Tribunal, um leve posicionamento de impedir empresas em processos de concordata ou falência de contratar com o Poder Público.8 Saliente-se, todavia, que os julgados apurados se referem à antiga legislação, não abarcando o instituto da recuperação de empresas, cujo objetivo, como já passado, é diverso.

Impossibilitar uma empresa de participar de determinado certame com base em presunção de insolvência é, sem sombra de dúvidas – volta-se a repetir – ilegal, eis que a Lei no 8.666/93 e muito menos a Lei no 11.101/05 assim não previram.

Ora, se o legislador teve a oportunidade de modificar toda a matéria normativa concernente ao processo falimentar e de recuperação de empresas –por meio da edição da Lei no 11.101/05 – e não proibiu, expressamente, empresas em processo de recuperação judicial ou extrajudicial de contratar com o Poder Público, é óbvio que intencionou a contratação.

Ressalva-se que as discussões acerca da concordata foram minimizadas em vista da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, apelidada de nova Lei de Falências. Ocorre que a concordata foi substituída pela recuperação judicial.

Permanecem apenas as concordatas ajuizadas antes de 9 de fevereiro de 2005.

Registre-se, por oportuno, que a Lei no 8.666/93 não foi alterada para substituir a certidão negativa de concordata por certidão negativa de recuperação judicial. Portanto, com arrimo no princípio da legalidade, a Administração não pode passar a exigir certidão negativa de recuperação judicial como habilitação, dado que o legislador não a

autorizou.9 (Grifamos.)

Carlos Pinto Coelho Motta10 comunga do mesmo posicionamento. O autor sustenta sua posição com base no objetivo da nova Lei de Falências, que é o de manter viva a unidade produtiva e permitir a continuidade da empresa.

Outra não é a opinião de Fernando Antônio Junior. Embora se refira à antiga legislação de falência e concordata, o autor faz menção ao citado art. 31, inc. II, da Lei no 8.666/93, in verbis:

(…) a única interpretação do art. 31, inc. II, da Lei no 8.666/93 compatível com o nosso ordenamento constitucional é a de que a simples indicação de ação de falência ou concordata em curso não tem o condão de inabilitar o licitante ou

tornar inativo ou inválido o seu registro cadastral para fins de participação em licitações. 11

Assim, muito embora haja fortes divergências quanto ao tema, conserva-se a opinião no sentido de que impossibilitar empresas em processos de recuperação judicial ou extrajudicial de contratar com o Poder Público é ilegal, ofendendo, acima de tudo, o devido processo legal.

A SÍNTESE POSSÍVEL E NECESSÁRIA

À guisa de conclusões, com uma simples olhadela no corpo do processo, percebe-se que todas as recomendações emitidas no Parecer de no 130/2012 foram realizadas a contento, à exceção da retificação do edital quanto ao subitem 4.1.2. É que a orientação anterior, no aludido Parecer, foi no sentido de, só e somente só, retificar o subitem mencionado, e não no sentido de excluí-lo em sua totalidade.

Deve-se restar claro que, em nenhum momento, o Procurador que emitiu o Parecer e que a este também subscreve impôs à consulente a obrigatoriedade de supressão, no edital, do ponto debatido. Trata-se, oportunamente, de opinião jurídica, a qual, exclusivamente quanto a esse quesito, pode ou não ser acolhida.12 O que não se pode admitir é a exclusão total do subitem 4.1.2, fato não opinado, em nenhum momento, no Parecer anterior, pois, da forma como se encontra, permite a participação de empresas concordatárias, falidas, dissolvidas, insolventes, etc., inclusive consórcios de empresas.

Assim, tendo em vista que foram cumpridas todas as orientações do Parecer anterior e considerando que o procedimento licitatório sob comento ainda se encontra em sua fase interna, permitindo, portanto, retificações, opina-se pela possibilidade de deflagração da fase externa, ressalvando a necessidade de manutenção do subitem 4.1.2 do edital, assegurando, a critério da consulente, a possibilidade de empresas em recuperação judicial ou extrajudicial participarem do certame.

Com escusas de haver excedido o limite meramente técnico que a consulta formulava, e adentrando um pouco na seara administrativa, é o que nos parece.

Remeto às considerações superiores.

Como citar este texto:

SOUSA, Guilherme Carvalho e. Licitação – Pregão eletrônico – Reanálise da fase interna do certame – Necessidade de retificação do edital. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 222, p. 838-842, ago. 2012.

1 “4 – Das condições de participação. 4.1 – Poderão participar deste pregão as empresas que: 4.1.2 – Não se encontrem em processo de recuperação judicial e extrajudicial, com pedido de autofalência ou falência decretada, concurso de credores, processo de insolvência, dissolução, liquidação ou consórcio de empresas, qualquer que seja sua constituição e empresas estrangeiras autorizadas a funcionar no país”.

2 A Lei no 11.101/05 regula a recuperação judicial e a extrajudicial, bem como a falência do empresário e da sociedade empresária.

3 Nesse sentido, Jair Eduardo Santana e Vânia da Conceição Pinto: “a concordata, em virtude de sua natureza jurídica e fins a que se destina, não constitui um obstáculo para a qualificação econômico-financeira. Deste modo, a Administração poderá desconsiderar a certidão positiva apresentada”. (SANTANA, Jair Eduardo; PINTO, Vânia da Conceição. Falência, concordata, insolvência civil – Repercussão nas licitações e contratos administrativos. Boletim de Licitações e Contratos – BLC, n. 11, p. 744, 2002.

4 Ibid., loc. cit.: “somente a certidão que ateste o trânsito em julgado da sentença de falência poderá ser prova da incapacidade econômico-financeira”.

5 O conceito mudou. Com a nova Lei, a regra agora é a preservação da atividade negocial. Manter a empresa no âmbito concorrencial é mantê-la como fonte de lucro e de circulação de riqueza, além da manutenção de empregos. A companhia é um organismo vivo, inserida num contexto social, que interfere e recebe influências desse ambiente.

6 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008. p. 447.

7 O Decreto-lei revogado (em seu art. 201, caput) previa apenas que a falência das empresas concessionárias de serviços públicos não tinha o condão de interromper tais serviços nem de fazer cessar a edificação de obras necessárias previstas nos contratos administrativos.

8 Nesse sentido: BRASIL. REsp no 351.512/SP. Recorrentes: Telecomunicações de São Paulo S.A. (TELESP), Coppersteel Bimetálicos LTDA. Recorrido: Maria Rita Ferreira de Campos. Rel. Min. Humberto Martins, Brasília, DF, 27 de fevereiro de 2007. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 27 mar. 2012.

9 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 411.

10 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 435.

11 ANTÔNIO JÚNIOR, Fernando. A certidão positiva de falência na fase de habilitação das licitações. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 96, p. 96, fev. 2002, seção Doutrina/Parecer/Comentários.

12 Claramente, os aspectos que deveriam ter sido sanados já o foram em tempo oportuno.

Cuidado: tentativa de golpe

Prezados,

O nosso Escritório não atua em causas previdenciárias em nenhuma unidade da Federação, sobretudo no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), com sede em São Paulo (SP), tampouco solicita pagamento de custas processuais para o recebimento de quaisquer valores.
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