Licitação – Contratação direta – Reforma de prédio público Emergência – Art. 24, inc. iv, da lei nº 8.666/1993 – Determinação judicial Possibilidade condicionada – Responsabilização dos agentes públicos que deram causa à situação emergencial

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I. RELATÓRIO

O Secretário de Estado de Infraestrutura encaminha1 a esta Procuradoria processo para contratação direta – dispensa de licitação – art. 24, inc. IV, da Lei no 8.666/1993 – de empresa para reforma do Centro de Internação Provisória (CIP/FCRIA), no Município de Macapá/AP.

A despesa foi orçada no valor de R$ 109.744,60 (cento e nove mil, setecentos e quarenta e quatro reais e sessenta centavos). A demanda é prove- niente de solicitação da Fundação da Criança e do Adolescente (FCRIA), a qual requereu, após inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que a Secretaria consulente realizasse a reforma no prédio público em caráter emergencial.

O processo chegou neste Núcleo Consultivo aos 13 dias do mês de fevereiro do corrente ano, contendo 59 (cinquenta e nove) páginas, e veio acompanhado dos seguintes documentos:

• Ofício2 da Diretora-Presidente da Fundação da Criança e do Adolescente (FCRIA), endere- çado ao Secretário de Estado e Infraestrutura, requerendo a reforma emergencial do Centro de Internação Provisória (CIP/FCRIA) (fls. 1-2), acompanhado de fotografias (fls. 3-12), que atestam a precariedade do prédio público onde ocorrerá a reforma;

• Documentação relacionada à ordem judicial (Juizado da Infância e Juventude – Atos Infracio-

  1. Ofício no 224/2013 – gAB/SEINF, de 8.2.2013.
  2. Ofício no 94/2013 – gAB/FCRIA, de 1o.2.2013.

nais), que determina a correção das irregularida- des na estrutura física e administrativa no CIP/ FCRIA no prazo de 10 (dez) dias (fls. 13-15);

• Despacho do Secretário de Estado em exer- cício, endereçado à Coordenadoria de Planeja- mento, Estudos e Projetos (Coplan) da SEINF para manifestação e providências pertinentes (fl. 16);

• Despacho da coordenadora da Coplan/ SEINF para providência quanto ao procedimento licitatório (fl.17);

• Despacho do gerente do Núcleo de Custo e Orçamento (NCO) da Coplan/SEINF, endereça- do ao engenheiro André Maurício, requerendo a elaboração do orçamento estimado dos serviços; memória de cálculo; composição de preços uni- tários de serviços; projeto básico e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de orçamento (fl. 18);

• Projeto básico, devidamente assinado pelo engenheiro responsável e aprovado pelo Secretá- rio de Estado (fls. 20-27);

• Orçamento básico estimado dos serviços (fls. 28-29);

  • Cronograma físico-financeiro (fl. 30);
  • Composição de serviços SEINF com preçosde insumos Sinapi (fl. 31);
    • Memória de cálculo (fls. 32-33);
    • Especificações técnicas (fls. 34-41);

• Comunicado interno do gerente do NCO/ Coplan/SEINF, endereçado à coordenadora do Coplan/SEINF, com proposta, preço e prazo (fl. 42);

• Despacho do gerente do NCO/Coplan/SEINF encaminhando à Coplan/SEINF o orçamento estimativo para execução dos serviços (fl. 43);

• Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) (fl. 44);

II. FUNDAMENTAÇÃO

a) A contratação direta – a emergência

Trata-se, sumamente, de contratação direta de empresa para reforma de prédio público. A emergência decorre de decisão judicial, a qual determinou a reforma solicitada em caráter de urgência e no prazo máximo de 10 (dez) dias.

O caso remete à ideia de intervenção judicial em políticas públicas e ao ativismo judicial. Muito embora o tema seja por demais relevante,3 não há espaço, no presente parecer, para discussão quanto à validade do ato judicial praticado, es- pecialmente porque, até o atual momento, não houve modificação da decisão impositiva do cumprimento do dever legal ao Estado.

O objetivo da norma prevista no art. 24, inc. IV, é evitar ou minorar os prejuízos decorrentes de situação urgente ou emergencial. Tais situações não podem ser vistas como aquelas configuradas pela desídia administrativa,4 pois “é mister que se compatibilizem no tempo o evento, a contratação e a execução para que as exigências legais lici- tatórias possam ser assim momentaneamente desconsideradas”.5

Não obstante esteja-se diante de uma situa- ção um tanto indesejável, certo é que a emer- gência encontra-se configurada, carecendo de uma atuação por parte do Estado, sobremaneira porque há determinação judicial nesse sentido.

b) Dos requisitos do art. 26 da Lei no 8.666/1993

Mesmo em se tratando de contratação dire- ta, alguns requisitos devem ser observados. Os processos de dispensa devem ser instruídos com os requisitos do parágrafo único do art. 26 da Lei no 8.666/1993:

Art. 26 …………………………………………………..

Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

• Justificativa de dispensa de licitação, a favor da empresa Cabral & Nascimento Construções Ltda. (CNPJ no […]), com base no art. 24, inc. IV, da Lei no 8.666/1993 (fls. 52-53);

• Justificativa de dispensa de licitação devida- mente assinada pelo Secretário de Estado (fl. 54);

• Parecer da Assessoria Jurídica da Secretaria, opinando pela possibilidade de contratação direta (fl. 55-57).

Era o que se fazia necessário e pertinente relatar.

Quesitos:

1 – O que se entende por contratação direta em face de emergência?

2 – Faz-se possível a utilização do art. 24, inc. IV, em se tratando de obras públicas?

3 – Como aferir se o preço praticado pela empresa que se pretende ver contratada é con- dizente com os preços de mercado?

4 – Há margem de discricionariedade ampla para a Administração quanto à escolha do con- tratado privado?

À vista de tais questionamentos, direcionar- -se-á a resposta abaixo transcrita, fundamenta- da, exclusivamente, em aspectos jurídicos e na documentação que nos consta.

Projeto arquitetônico em planta baixa (fl. 45);

Despacho da engenheira coordenadora da Coplan/SEINF, encaminhado ao gabinete, fazen- do alusão à documentação existente no processo, necessária à licitação emergencial (fl. 46);

  1. A respeito do tema, o Procurador que a esta subscreve já se manifestara em duas ocasiões. SOUSA, guilherme Carvalho e. Quanto à insuficiência do direito para correta averiguação de políticas públicas: interdependência com outras disciplinas e limitações ao controle exercido pelo Poder Judiciário. Fórum Administrativo, v. 10, p. 9-18, 2010; SOUSA, guilherme Carvalho e. A razoabilidade como critério de controle e políticas públicas pelo Poder Judiciário. BdA (São Paulo), v. 8, p. 945-951, 2011.
  2. Nesse sentido, FIgUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000.
  3. ARAÚJO, Edmir Netto. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 531.

I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II – razão da escolha do fornecedor ou exe- cutante;

III – justificativa do preço.

Quanto ao inc. I, a justificativa encontra-se nos autos, às fls. 52-53. Todavia, trata-se de uma justificativa muito genérica, quando deveria trazer elementos específicos. As razões de escolha do fornecedor não são tão objetivas.

Quanto à justificativa de preço, contida no inc. III, não há cotações de preços, quando o mínimo recomendável são três referências de preços, notadamente porque o valor da despesa é ele- vado. A contratação direta não permite, de forma larga, uma discricionariedade sem limitações. Há a necessidade de pesquisa de preços.

É justamente pelo fato de a licitação ser possível nas contratações baseadas no art. 24 da Lei no 8.666/93 é que se torna imperativa a demonstração da vantagem advinda da dispensa em comparação com a licitação propriamente dita. Em todas as situações, com base em um projeto básico (ou termo de referência), deve-se colher no mercado cotações para – mesmo em um rito sumário – obter a melhor proposta possível. Devem estar claras no processo as razões de escolha do contratado e a justificativa do valor pactuado. Os preços ofertados também devem ser menores ou iguais aos da Sicro/Sinapi.6

Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União possui diversos julgados:

“Acórdão no 444/2009 – TCU – Plenário

Min.-Rel. Valmir Campelo

1. A pesquisa de preços, o orçamento de- talhado e a demonstração de vantagem são requisitos de validade nas contratações com a Administração Pública, mesmo se oriundas de dispensa ou inexigibilidade de licitação”.

“Acórdão no 2.387/2007 – TCU – Plenário Min.-Rel. Augusto Sherman

Não admita, em contratos que venham a ser celebrados mediante dispensa de licitação, a ocorrência de itens com preços superiores aos praticados por empresas do mesmo ramo”.

“Acórdão no 267/2001 – TCU – 1a Câmara

É necessário consultar o maior número pos- sível de interessados em contratações de cará- ter emergencial, em atenção aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, que devem reger as atividades do administrador público”.

A norma legal que vaticina a dispensabilidade de licitação não permite uma ampliação da discri- cionariedade ao administrador público. Razões de ordem pública, fundadas em manifesto interesse público, devem servir como baliza para não se realizar o normal procedimento licitatório.

Portanto, para fins de cumprir o inc. III, recomenda-se que conste justificativa nos autos sobre a pesquisa de mercado, com a complemen- tação ou a impossibilidade de outras ofertas, em atenção ao disposto na lei.

Por fim, as razões de escolha do fornecedor, inc. II, não podem ocorrer aleatoriamente. É que, mesmo em se tratando de contratação direta, a obediência aos princípios constitucionais da iso- nomia e da transparência deve imperar.

Com efeito, o permissivo legal não induz à desobediência de normas mínimas. Bem pelo contrário, pois “a contratação direta não autori- za atuação arbitrária da Administração. No que toca ao princípio da isonomia, isso significa que todos os particulares deverão ser considerados em plano de igualdade”.7 Assim sendo, deve ser oportunizada a outros possíveis licitantes a possibilidade de contratar com o Poder Público no presente caso.

c) Do instrumento contratual

A contratação dos autos deveria ser con- cretizada por meio de instrumento contratual; contudo, os autos não vieram instruídos com a minuta de contrato. Ante a situação de emer- gência, que exige celeridade na tramitação do

  1. CAMPELO, Valmir; CAVALCANTE, Rafael Jardim. Obras públicas: comentários à jurisprudência do TCU. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p.115.
  2. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 283.

feito, entende-se justificada a dispensa do instru- mento contratual a ser substituída pela Nota de Empenho, com fundamento no art. 62 da Lei no 8.666/1993, in verbis:

Art. 62. O instrumento de contrato é obriga- tório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilida- des cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.

d) A apuração da responsabilidade admi- nistrativa

A contratação emergencial somente está sendo envidada por força de medida judicial. Tor- na-se a repetir que se trata de uma emergência, porém, uma emergência criada, e não natural.

Como já mencionado, a licitação deve, roti- neiramente, ser observada pela Administração. Não obstante a existência do dever de licitar, existem situações em que a Administração Públi- ca tem a faculdade, fundamentada no interesse público, de não realizar a licitação, estabelecendo o ordenamento exceções ao princípio constitucio- nal do dever de licitar, verbis:

Art. 24. É dispensável a licitação:

…………………………………………………………..

IV – nos casos de emergência ou de calami- dade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pes- soas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocor- rência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.

O caso remete a uma situação nitidamente emergencial. Muito embora o Tribunal de Contas

da União tenha firmado entendimento, em deci- são emblemática,8 e em caráter normativo, no sentido de que a contratação direta, com base no art. 24, inc. IV, da Lei no 8.666/1993, não possa ser envidada nos casos de urgência decorrente de desídia administrativa ou má gestão dos re- cursos públicos, o mesmo Tribunal já suavizou este entendimento, reputando que, independen- temente da causa da emergência, ela, por si só, já é suficiente para possibilitar a incidência da previsão normativa contida no art. 24, inc. IV, da Lei no 8.666/1993.

Em verdade, para o TCU, a variância existe tão somente no campo da responsabilização, pois em se tratando de emergência que não seja natu- ral, o agente público deve ser responsabilizado.9

Reputamos, todavia, que não se deva mes- clar a situação de urgência, de per si, com a even- tual carência de planejamento que tenha lhe dado causa. A índole premente da emergência é feição de sua própria natureza, o que independente de sua causalidade. Ela simplesmente existe. Como consequência, a ação célere do gestor com vias ao resguardo do interesse coletivo – finalidade de todas as formas de administração – desde que devidamente motivada, é um dever intrínseco da atividade de gestão.10

Assim sendo, a responsabilização do agente público faz-se cogente. Inadmissível que uma si- tuação calamitosa, como a verificável nos autos, possa ter surgido espontaneamente. Cuida-se, sem questionamentos, não somente de ausência de planejamento estatal, mas de incúria, de falta de zelo com a coisa pública, e, por que não, com a própria pessoa humana, eis que o prédio público onde ocorrerá a reforma serve de albergue para menores infratores.

Impossível imaginar que uma situação tão calamitosa não fosse visivelmente verificável de modo recente. Todavia, estes questionamentos calham para o presente momento exclusivamente com uma finalidade: possibilitar a responsabiliza- ção dos agentes públicos. Por mais que se trate de um caso urgente, tal situação não abona a responsabilidade de quem deu causa à situação.

  1. TCU. Processo no TC 009.248/1994-3. Decisão no 347/1994 – Plenário. Rel. Min. Carlos Átila da Silva.
  2. Acórdão no 1.876/2007 – TCU – Plenário. Min.-Rel. Aroldo Cedraz; Acórdão no 1.138/2011 – TCU – Plenário. Min.-Rel. Ubiratan Aguiar.

10. CAMPELO,Valmir;CAVALCANTE,RafaelJardim.Obraspúblicas:comentáriosàjurisprudênciadoTCU.BeloHorizonte:Fórum,2012.p.119.

O servidor responde civil, penal e adminis- trativamente pelo exercício irregular de suas funções, podendo as sanções decorrentes de tais responsabilidades cumularem-se, sendo inde- pendentes entre si. Para tanto, faz-se necessária a abertura de processo administrativo, a fim de que se verifique a responsabilidade do servidor público que deu causa à situação calamitosa.

III. CONCLUSÃO E DEMAIS CONSIDERAÇÕES

À guisa de considerações derradeiras, ciente de que foram respondidos os quesitos previamen- te formulados, opina-se, condicionalmente, pela possibilidade de contratação direta, com base no art. 24, inc. IV, da Lei no 8.666/1993, desde que sanadas as omissões apontadas.

Destaque-se que a aprovação da contratação é condicionada às observâncias das medidas e diligências recomendadas neste parecer, com destaque para as justificativas. Assim, a autori- dade consulente responde de forma pessoal e exclusiva pela omissão decorrente de eventual contratação sem a devida observância das re- comendações, cujo cumprimento é requisito do ato de aprovação.11

Por fim, não é demais lembrar a necessidade de comunicação da dispensa à autoridade supe- rior no prazo de 3 (três) dias, para ratificação, e publicação, no prazo de 5 (cinco) dias, como con- dição para eficácia do ato, conforme determina o caput do art. 26 da Lei no 8.666/1993.

Remete-se às considerações superiores. Macapá, 15 de fevereiro de 2013.