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Terminantemente, um dos temas mais abordados nesta coluna tem sido a contratação direta por inexigibilidade, sobretudo os contratos que envolvem serviços jurídicos e de notória especialização. Diante desta categórica afirmação, por que versar sobre algo que, teoricamente, já se encontra pacificado?
A indagação é incisivamente peculiar e progride para encalmadas ponderações. Logo, a matéria não é fleumática, tampouco alheia a renovadas críticas, à medida que novas decisões judiciais revisitam — independentemente de novo colorido — a polêmica.
Como gatilho para o presente artigo, trago à apreciação dos leitores a recentíssima decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli, na Petição 14.601 Maranhão, em 30 de setembro do corrente ano. O cerne da discussão estaria adstrito ao pretenso descumprimento da decisão proferida no RE nº 656.558/SP, Tema nº 309, pelo Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA).
A decisão, inteiramente monocrática, induz os acelerados intérpretes às mais variadas conclusões, que passeiam por inusitadas trilhas, alcançando, inclusive, a extinção de procuradorias municipais. Ledo engano!
Retomemos a discussão
O ponto central da Petição 14.601 limita-se, tão apenas, a uma injustificada persecução penal. Lendo e relendo o conteúdo da decisão do Relator, a controvérsia encontra-se circunscrita ao necessário dolo para a tipificação penal a que faz alusão do Ministério Público do Estado do Maranhão — nada para além disso.

Sucede que o Tema 309, como já detalhadamente explicitado em pontual e particularizado artigo transmitido nesta mesma coluna, apenas pondera que o simples fato de haver contratação de advogados ou escritórios de advocacia por inexigibilidade de licitação não ocasiona, necessariamente, ato de improbidade administrativa. Esta é a essência do Tema nº 309.
Porém, examinando o julgamento do RE nº 656.558/SP, o STF também sopesa vários critérios que devem ser levados em consideração para que não haja qualquer enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa: “além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), sejam observados: (1) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do poder público; e (2) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores”.
De tal modo, a decisão (monocrática) tomada na Petição 14.601 passa ao largo de uma liberação irrestrita para contratação, sem critérios, de escritórios de advocacia (ou advogados) pelos entes públicos, tampouco desonera as Administrações Públicas municipais de procederam, quando preponderante o interesse público primário, à estruturação da carreira, instituindo cargos que contemplem o exercício de uma Advocacia Pública composta por servidores efetivos, aprovados segundo os critérios previstos em norma constitucional (artigo 37, II) gizada como garantia fundamental.
Inexiste Advocacia Pública sem estruturação de carreira. Escritórios ou profissionais contratados livremente não compõem qualquer conceito de Advocacia Pública. Logo, o STF não inibiria o que a Constituição não pretere.
Registro a minha total aversão à intromissão desavisada do controle externo ao exercício típico das funções administrativas, cujas particularidades encontram-se vinculadas ao Poder Executivo ou, atipicamente, a outros Poderes. Interferências nesse sentido deságuam em crises institucionais, reveladas em decisões judiciais que intentam equilibrar os Poderes.
Porém, é assaz precipitado — e, em certa medida, malicioso — interpretar uma decisão judicial (monocrática), ainda que da Corte Suprema, como o retrato da falência da Advocacia Pública Municipal, liberando todo e qualquer ente municipal a não mais contratar pela via natural do concurso público, se e quando viável (discricionariedade que é ínsita a quem exerce a função administrativa).
Registro, no mesmo sentido, artigo de minha autoria veiculado nesta mesma ConJur, ainda em 2017, em que aponto a impossibilidade de todo e qualquer município instituir uma procuradoria. O título é, intuitivamente, descritivo da opinião, naquela quadra, formulada, com a qual ainda comungo no presente.
É essencial instituir critérios, muitos deles objetivos, e partir de pressupostos práticos que impõem zonas de certezas positivas. Muitos Municípios no Brasil possuem Produto Interno Bruto (PIB) ou número de habitantes maiores que alguns Estados da Federação, motivo pelo qual é incontroversa a criação de Procuradorias.
O posicionamento do STF quanto à aferição da razoabilidade em temas sensíveis às zonas discricionárias da Administração Pública é rotineiro. Cite-se como exemplo o Tema nº 1.231, em que a Corte Suprema reconhece uma fronteira discricionária para a Administração Pública municipal concernentemente ao teto para as Requisições de Pequeno Valor (RPV), destacando, contudo, o princípio da proporcionalidade.
Por outro ângulo — e ainda atento ao que decidido no Tema nº 309 —, o STF não inibe a possibilidade de controle de todos os critérios necessários à categorização da inexigibilidade, maiormente a fiscalização sobre o preço. E, nesse sentido, controle de tal natureza é exercido de forma externa, até mesmo pelos mais diversos órgãos que compõem os Ministérios Públicos.
Antes de tudo, reitero meu posicionamento quanto à imprescindibilidade de divisar a inexigibilidade para serviços comuns de advocacia e a contratação com natureza essencialmente singular. São contratos de naturezas essencialmente diversas; consequentemente, a discricionariedade é limitada e pode ser objeto de controle pelo Judiciário e por quem o provoque.
Decisivamente, é imprescindível o STF exercer constantes incursões sobre a matéria, calibrando, em toda e qualquer oportunidade, o interesse público envolvido. A generalização não aponta para as soluções mais proporcionais (expressão largamente utilizada pelo próprio Supremo).
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é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).