DAS CONDUTAS PRATICADAS POR AGENTES POLÍTICOS COMO CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

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O tema Responsabilidade Civil do Estado é de tormentosos debates na doutrina e na jurisprudência. Inegável o avanço que lhe vem sendo conferido nos últimos tempos, sobremaneira em face das remodelações sofridas pelo instituto.

 

 

 

De uma postura de total irresponsabilidade, a teoria da responsabilização civil progrediu a uma ideia de objetivação da responsabilidade, calcada no dever do Estado de indenizar sempre que a conduta de seus agentes causar aos administrados alguma espécie de dano.

 

 

 

Todavia, a doutrina enumera várias situações que excluem, ou ao menos atenuam o dever de indenizar do Estado, a exemplo da culpa exclusiva da vítima, de fato de terceiro, do caso fortuito e da força maior.

 

 

 

Procuraremos, nas linhas que seguem, demonstrar outra hipótese de exclusão da responsabilidade estatal, pautada, justamente, nas condutas praticadas por agentes políticos, cumprindo-nos asseverar, entretanto, que nos limitaremos a falar de somente duas espécies desses agentes: os membros do Ministério Público e os membros da magistratura.

 

 

 

A IDEIA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

 

 

 

Não é conveniente, nesse pequeno estudo, tecer muitos comentários sobre a evolução da responsabilidade estatal ao longo dos tempos. Importa mencionar, acima de tudo, que o Estado é responsável pelas condutas que seus agentes, na qualidade de agente estatal, causarem a terceiros.

 

 

 

Sobre o tema, precisas as palavras de Marçal Justen Filho, para quem “a responsabilidade civil do Estado consiste no dever de indenizar perdas e danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão antijurídica imputável ao Estado”.1

 

 

A responsabilidade do Estado indica supremacia da sociedade sobre o próprio Estado. É uma espécie de socialização dos custos sofridos pela parte lesada, numa verdadeira demonstração da democracia republicana.

 

 

 

AS HIPÓTESES DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Costumeiramente, a doutrina enumera as seguintes hipóteses de excludente de responsabilidade civil do Estado: culpa da vítima, culpa de terceiro, exercício regular de direito e caso fortuito ou força maior.

 

 

 

Todas essas hipóteses são vistas, pela doutrina e pela jurisprudência, unissonamente, como excludentes do dever de indenizar do Estado. Entretanto, cumpre-nos ressaltar, de antemão, que o propósito do presente trabalho é, justamente, estabelecer outra hipótese de excludente de responsabilidade civil do Estado, calcada, precisamente, nas condutas praticadas por agentes políticos, mais minuciosamente, Ministério Público e Magistrados.

 

 

 

Eis, portanto, o debate que se passa a enfrentar agora, ressaltando, de sobreaviso, que não se pretende estabelecer um dogma sobre o assunto, mas, tão-somente, provocar a discussão doutrinária e jurisprudencial sobre alguns casos em que, certamente, não se pode atribuir ao Estado o dever de indenizar.

 

 

 

Em verdade, a doutrina e a jurisprudência pátrias pouco avançaram no estudo da responsabilização do Estado em decorrência de atos praticados pelos chamados agentes políticos.

 

 

 

Num primeiro momento, convém salientar qual o significado de agentes políticos. Celso Antônio Bandeira de Mello, manifestando-se sobre os agentes políticos, assim reza, verbis:

 

 

 

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um múnus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e, por isto, candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade.

 

 

 

A relação jurídica que os vincula ao Estado é de natureza institucional, estatutária. Seus direitos e deveres não advêm de contrato travado com o Poder Público, mas descendem diretamente da Constituição e das leis. Donde, são por ela modificáveis, sem que caiba procedente oposição às alterações supervenientes, sub color de que vigoravam condições diversas ao tempo das respectivas investiduras. [2] (Grifamos.)

 

 

 

Nessa esteira, quando o legislador constituinte originário previu, em seu art. 37, § 6º, a responsabilização objetiva do Estado por atos causados por seus agentes, assim o fez em menção aos servidores públicos lato sensu, e não aos agentes políticos, estes dotados de maior autonomia funcional, motivo que atenua a responsabilização do Estado, senão a exclui.

 

 

 

É que tais agentes possuem maior autonomia funcional, gozando de prerrogativas que os demais servidores públicos não possuem, prerrogativas delineadas no próprio texto constitucional.

 

 

 

A tese ganhou maior força após o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Reclamação nº 2.138, que entendeu pela inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa às condutas praticadas por agentes políticos.

 

 

 

Ora, se o Supremo vem entendendo que tais agentes se submetem a um regime diferenciado, no que concerne à improbidade administrativa, obviamente que deverão ser tratados com diferença também quando da imputação da responsabilidade civil do Estado.

 

 

 

É claro que não pretendemos ampliar a análise do tema a todos os agentes políticos, consoante acima mencionado. Cumpre determo-nos às condutas dos membros do Ministério Público e da Magistratura, os quais também fazem parte do gênero agentes políticos.

 

 

 

Justamente pelo fato de gozarem de maior prerrogativa em suas atuações funcionais, as suas condutas devem ser pautadas em maior responsabilidade. Os membros do Ministério Público e da Magistratura têm o dever de agir com maior zelo, eis que são defensores da própria sociedade.

Percebe-se, contudo, que muitas condutas praticadas por esses agentes são totalmente despropositadas. Claramente, que não se está a figurar essa assertiva como regra; pelo contrário, haja vista que a quase totalidade desses agentes políticos agem em conformidade com a lei, e dentro das faculdades que a própria lei lhes confere.

 

 

 

No entanto, o que dizer de uma denúncia totalmente infundada promovida por um membro do Ministério Público quando, nem mesmo, há indícios de provas materiais aptas a demonstrarem a existência de um ilícito? O que dizer, também, de uma decisão manifestamente parcial proferida por um magistrado, julgando de acordo com o total interesse de apenas uma das partes?

 

 

 

Certamente, em tais casos, haverá, segundo a maior parte da doutrina, o dever de indenizar por parte do Estado, mesmo diante de uma ação motivadamente deliberada pela vontade de um agente estatal que goza de amplíssima liberdade de atuação.

 

 

 

Nessa esteira, o dever de indenizar não deve ser do Estado, mas sim do próprio agente estatal, o qual, dispondo de liberdade quase irrestrita, não teve a devida cautela no seu agir, ou até mesmo promoveu, dolosamente, o ato que causou prejuízo a outrem. Por que, então, o Estado seria obrigado a indenizar?

 

 

 

Percebe-se, dessa forma, que não há motivos para atribuir tal dever ao Estado, eis que em tais casos a conduta praticada pelo agente estatal foi totalmente deliberada para atingir o resultado que ele visava. Veja-se, a propósito, o que leciona Marçal Justen Filho (já citado):

 

 

 

Ora, a simples consciência de que os cofres públicos poderão arcar com sérios prejuízos em virtude da conduta pessoal basta para impor um dever de grande cuidado e cautela ao agente estatal.

 

 

 

Portanto, a responsabilização civil do agente tende a uma objetivação de culpabilidade idêntica àquela que se processa quanto ao próprio Estado.

 

 

 

Sendo assim, não há razões para que não se possa atribuir a responsabilização direta ao próprio agente estatal, sem a necessidade de ter que enfrentar toda a peregrinação de uma demanda promovida contra a Fazenda Pública.

 

 

 

Por mais que os Tribunais do país, sobremaneira o Superior Tribunal de Justiça e o próprio Supremo Tribunal Federal, venham mitigando a tese de impossibilidade de denunciação à lide nas ações de responsabilidade estatal, curial que se demonstre, claramente, que não se está a defender tal tese, mas, simplesmente, a demonstrar a possibilidade da propositura de uma ação direta contra o próprio agente estatal.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

 

A responsabilidade civil do Estado vem sofrendo, com os anos, profundas modificações. A ideia de total irresponsabilidade cedeu espaço a uma responsabilidade objetiva, pautada no chamado “risco administrativo”.

 

 

 

Mesmo assim, o tema tende a evoluir. Considerando essa linha de evolução, não podemos nos desvencilhar da ideia de se atribuir uma nova excludente de responsabilidade estatal, justamente nos casos de condutas praticadas por agentes políticos – membros do Ministério Público e Magistratura – quando, conscientemente, agem sem o devido dever de zelo, ou mesmo quando desejam atingir um fim ilícito.

 

 

 

Não há razões para atribuir responsabilidade ao Estado em casos como esse, uma vez que o dano decorreu, exclusivamente, da ação do próprio agente político, o qual, agindo deliberadamente, não guardou, no mínimo, os devidos cuidados na realização de seu mister.

 

 

 

Se a jurisprudência caminha no sentido de conferir maior liberdade de atuação aos agentes políticos, devem, também, imprimir-lhes maior responsabilidade em suas condutas, mantendo-se um tratamento equânime

diante de situações similares, sob pena de ofensa manifesta ao princípio da igualdade.

 

 

 

 

 

 

  1. JUSTEN FILHO , Marçal. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 948.

 

 

 

 

  1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 239.