Baixe o arquivo em pdf clicando aqui
Parecer no 121/2013 NCA-PGE/AP
Processo no 51.000.111/2009
CONVÊNIO – ESTADO DO AMAPÁ E FUNDAÇÃO MARCO ZERO. ANÁLISE. NATUREZA JURÍDICA – CONTRATO ADMINISTRATIVO. DEVER DE LICITAR. IMPOSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO. RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS.
RELATÓRIO
O Secretário de Turismo do Estado do Amapá encaminha a esta Procuradoria pedido de análise sobre a legalidade do Convênio Estadual celebrado entre a Secretaria de Estado do Turismo (SETUR) e a Fundação Marco Zero, executora do objeto do convênio.
Antes de qualquer menção aos documentos existentes no processo, necessário esclarecer que se trata de dois convênios. O primeiro1 deles celebrado entre o Estado do Amapá e a União, por meio do Ministério do Turismo (MTUR); o segundo, sobre o qual se deseja análise acerca da legalidade, firmado entre o Estado do Amapá e a Fundação Marco Zero (CNPJ no 09.514.395/0001-51), cujo objeto era a consecução do primeiro convênio.
O processo chegou a este Núcleo Consultivo contendo 471 páginas, dividido em dois tomos, constando os seguintes documentos:
– Memorando da gerente do PRODETUR do Amapá, endereçado à Secretária de Estado do Turismo, noticiando que o projeto de elaboração de pesquisa diagnóstica e preparação do programa de qualificação profissional e empresarial para o polo roteiro Maracá-Cunani, apresentado junto ao
Ministério do Turismo, foi aprovado. Requer providências necessárias quanto à contratação da empresa para realização dos trabalhos propostos – fl. 01;
– Termo de Referência – elaboração de pesquisa diagnóstica e preparação do programa de qualificação profissional e empresarial para o polo roteiro Maracá-Cunani do Prodetur Nacional/AP – fls. 02-23;
– Das fls. 23-39, cópia do Convênio no 703397/2009, celebrado entre a União, por meio do Ministério do Turismo (MTUR), e o Estado do Amapá, tendo por objeto elaboração de pesquisa diagnóstica e preparação do programa de qualificação profissional e empresarial para o polo roteiro Maracá- Cunani;
– À fl. 40, cópia do Diário Oficial da União, atestando a publicação do convênio;
– Das fls. 43-72, edital do pregão presencial e anexos;
– Das fls. 73-87, minuta do contrato;
– Fl. 88, parecer jurídico da ASSEJUR aprovando a fase interna do pregão presencial; – Publicação do aviso de licitação no Diário Oficial do Estado;
– Edital do pregão presencial e anexos das fls. 92-121;
– Comprovante de recebimento do edital por várias empresas – fls. 122-126;
– Das fls. 127-173, documentos relacionados ao credenciamento e habilitação;
– Ata do pregão presencial – fls. 174-180;
– Parecer jurídico da ASSEJUR – fls. 182-187, opinando pelo encerramento do certame;
– Aviso de cancelamento do pregão à fl. 190;
– Documento da gerente geral do PRODETUR, endereçada à Secretária de Estado, requerendo a deflagração de novo procedimento licitatório, tendo em vista a anulação do procedimento anterior – fl. 193;
– Republicação do aviso de pregão presencial – fl. 197; – Novamente edital e anexos – fls. 198-227;
– Comprovante de recebimento do edital – fls. 228-230;
– Das fls. 231-277, documentação relativa a credenciamento e habilitação;
– Ata do pregão presencial – fls. 278-279 e fls. 302-304;
– Parecer jurídico da ASSEJUR – fls. 310-313 – acerca do recurso interposto por uma das licitantes e opinando pela anulação do certame (Pregão no 013/2009-CPL/SETUR), mesmo destacando que o processo se encontrava em fase recursal;
– À fl. 316, memorando da gerente geral do PRODETUR, endereçado à Secretária de Estado, recomendando analisar a alternativa de celebração de convênio com a Fundação Marco Zero;
– Das fls. 318-324, minuta do convênio, celebrado entre o Estado do Amapá, por meio da Secretaria de Estado do Turismo, seguida do plano de aplicação (anexo I – fl. 325) e do cronograma de desembolso (anexo II – fls. 326);
– Parecer da ASSEJUR – fls. 327-346 – opinando favoravelmente pela celebração do convênio;
– Das fls. 350-369, cópia do convênio estadual celebrado entre o Estado do Amapá, por meio de sua Secretaria de Turismo, e a Fundação Marco Zero, bem como respectivos anexos, destacando-se, entre estes, o cronograma de desembolso (fl. 369), no importe de R$ 209.469,00 (duzentos e nove mil, quatrocentos e sessenta e nove reais);
– Das fls. 372-388, cópia do convênio Mtur/ESTADO DO AMAPÁ no 703397/2009;
– Extrato do convênio publicado no Diário Oficial do Estado, fl. 392, e extrato do primeiro termo aditivo, fl. 394 – não houve publicação no Diário Oficial da União;
– Das fls. 394-406, estatuto da Fundação Marco Zero;
– Fls. 407-417, documentação relativa à Fundação Marco Zero;
– Nota de empenho à fl. 420 no valor de R$ 188.522,00 (cento e oitenta e oito mil, quinhentos e vinte e dois reais);
– À fl. 422, outra nota de empenho, no valor de R$ 20.947,00 (vinte mil, novecentos e quarenta e sete reais);
– À fl. 423, nota de liquidação no valor de R$ 188.522,00 (cento e oitenta e oito mil, quinhentos e vinte e dois reais);
– À fl. 424, nota de liquidação no valor de R$ 20.947,00 (vinte mil, novecentos e quarenta e sete reais); – Às fls. 425-426, programação de despesa orçamentária;
– Fls. 427-430, ordem bancária orçamentária;
– Fls. 435-436, parecer jurídico da ASSEJUR opinando pela prorrogação do convênio pelo período de 4 (quatro) meses;
– Fls. 437-438, primeiro termo aditivo ao Convênio no 002/2010, firmado entre o Estado do Amapá e a Fundação Marco Zero;
– Fls. 441-442, publicação do primeiro termo aditivo do referido convênio no Diário Oficial do Estado – não houve publicação no Diário Oficial da União;
– Fls. 444-446, primeiro termo aditivo ao Convênio no 703397/2009, firmado entre Estado do Amapá e MTur;
– Fls. 448-458, parecer jurídico da ASSEJUR, opinando pela notificação da Fundação Marco Zero para a devida prestação de contas e requerendo a abertura de sindicância ou processo administrativo para apurar as responsabilidades dos envolvidos no processo;
– À fl. 459, ofício2 do Ministério do Turismo, endereçado à Secretaria de Estado do Turismo, requerendo a prestação de contas do Convênio no 703397/2009;
– Das fls. 460-465, parecer técnico3 sobre a prestação de contas final do Convênio no 703397/2009 – MTur/Estado do Amapá, requerendo a prestação de contas final pelo Estado do Amapá;
– Fls. 466-468, cópia do Termo de Cooperação Técnica4 firmado entre o Estado do Amapá e a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP);
– Ofício do Secretário de Estado requerendo parecer sobre a legalidade do convênio firmado entre a Fundação Marco Zero e a SETUR, por meio do processo no 51.000.111/2009.
Era o que cumpria e merecia ser, laconicamente, mencionado.
QUESITOS
01 – Qual a natureza jurídica dos convênios administrativos?
02 – Há diferenciação entre os convênios firmados entre pessoas políticas e os convênios celebrados entre estas e pessoas não pertencentes à estrutura estatal?
03 – Como é traçada a discricionariedade do administrador público para executar, com terceiros, o objeto de determinado convênio?
04 – Ocorrido procedimento licitatório com ampla competitividade em momento anterior, faz-se possível a celebração de um convênio entre o Poder Público e uma fundação privada posteriormente?
É diante de tais questionamos que se ocupará a resposta envidada nas linhas subsequentes.
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Nada obstante se esteja frente a um “convênio” administrativo, a análise do caso posto sob enfoque necessariamente deve ser vista sob o prisma concorrencial, à luz do procedimento licitatório.
Antes de adentrar nos aspectos peculiares que circundam o presente processo, necessário abeirar-se de algumas considerações sobre a figura do convênio. Primeiramente, desde já se salienta que a abordagem não será feita à luz da clássica concepção distintiva entre convênio e contrato,5 acepção esta, permissa venia, já ultrapassada e que, ao menos para o presente caso, não abriga a solução mais equânime a ser prolatada.
a) O caso posto sob análise
Muito embora os autos tragam vasta documentação, induzindo, por vezes, ao desvio, mesmo superficial, da resposta que será impostada, ater-se-á, exclusivamente, à indagação proposta na consulta formulada pelo Secretário de Estado, sobre a legalidade do convênio firmado pelo Estado do Amapá com a Fundação Marco Zero.
Como se percebe da leitura da documentação acima mencionada, houve, inicialmente ao convênio sobre o qual se requer análise de legalidade, um convênio celebrado entre o Estado do Amapá e a União (Convênio no 703397/2009), não restando, quanto a este, dúvidas sobre a sua legalidade, razão pela qual não serão mencionados maiores detalhamentos.
O imbróglio reside no convênio celebrado entre o Estado do Amapá e a Fundação Marco Zero. De antemão, sem receio do que um posicionamento aparentemente precipitado possa causar, é certo que houve a deflagração de um procedimento licitatório inicial, o qual, posteriormente, foi anulado,6 procedendo-se à celebração do convênio de que se pretende aferir a legalidade.
Ora, se existe a possibilidade de licitar7 determinado objeto, certamente não é passível de ser objeto de convênio. A anulação de um procedimento licitatório por si só não é suficiente para promover a celebração de um convênio. A situação chega a ser teratológica, na medida em que o objeto do convênio é perfeitamente licitável, tanto que se deflagrou o normal procedimento licitatório.
Por mais razões, à época, já vigia o Decreto no 5.504/05, o qual
estabelece a exigência de utilização do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, para entes públicos ou privados, nas contratações de bens e serviços comuns, realizadas em decorrência de transferências voluntárias de recursos públicos da União, decorrentes de convênios ou instrumentos congêneres, ou consórcios públicos.
Para execução do Convênio no 703397/2009, o Estado do Amapá deveria ter realizado licitação na modalidade pregão, conforme estabelece o normativo legal acima mencionado. E assim o fez, desde o início, encetando o normal e desejável processo de contratação, porém, posteriormente, entendeu pela celebração de um convênio.
Ora, ainda que a licitação fosse fracassada ou deserta, seria viável proceder à contratação com base no art. 24, inc. V, da Lei no 8.666/93. Por outro lado, se, porventura, o objeto licitável encaixava-se na hipótese do art. 24, inc. XIII, também da Lei no 8.666/93, haveria, de igual modo, contratação direta, e não celebração de convênio. Portanto, nenhuma razão induzia à celebração do convênio entre o Estado do Amapá e a Fundação Marco Zero.
Assim, assimila-se que o convênio, termo de cooperação ou qualquer outra nominação jurídica que se venha a cognominar, quando guarda natureza jurídica contratual, é, em verdade, verdadeiro contrato
administrativo, sobre o qual incidem as regras da Lei no 8.666/93, e não exclusivamente a contida em seu art. 116.
b) Quanto à natureza contratual dos convênios administrativos firmados com organizações não governamentais
Inegável a importância que a figura do convênio ganhou na Administração Pública nos últimos tempos, sobremaneira quando, após a Constituição Federal de 1988, a prestação de serviços públicos pelo Estado alargou-se, forte na diretriz social que o constituinte originário previu no Texto Maior.
Concebeu-se no Brasil a possibilidade de agentes estranhos à estrutura do Estado travarem, com este, acordos visando a auxiliar na prestação de serviços públicos. Propalaram-se as chamadas organizações sem fins lucrativos, que têm por escopo, em essencial, prestar serviços públicos de relevante interesse social.
Sem adentrar na diferenciação que pode ser envidada acerca de todas as formas de acordos empreendidos pelo Estado concernentemente a este aspecto – eis que, embora valiosa,8 desnecessária para o presente caso -, importa destacar que as figuras jurídicas, independentemente do epíteto utilizado, buscam, em sua quase totalidade, angariar recursos públicos para bem desenvolver tarefas que o Estado pode, a um primeiro momento, repassar.
O simplório argumento de que o ente conveniado não busca o lucro nem possui interesse lucrativo não oportuniza caminhos largos para que o Estado possa, inadvertidamente, sem um procedimento próprio e prévio, “contratar” com tais entes, por quê?
Ora bem. As razões são descomplicadas. Trata-se de recursos públicos, sobre os quais o Estado não possui ingerência desregrada, senão apenas os administra, moldado, por maiores razões, na indisponibilidade do interesse público, princípio que lhe é inseparável.
No caso analisado, ainda que fosse hipótese típica de formação de um convênio – o que não é, como explicado -, deveria ter havido um procedimento prévio de seleção.
Há de se fazer uma separação muito clara entre os convênios firmados entre entidades que compõem a própria Administração Pública e os acordos firmados entre estas e pessoas que não integram a estrutura estatal. Existe, quanto a estes pactos, forte concepção contratual, não havendo razões significativas para que assim não sejam considerados.
O convênio é um contrato administrativo com cláusulas especificamente previstas no art. 116, que dispõe sobre a execução do ajuste de acordo com um plano de trabalho preestabelecido, com repasses financeiros realizados gradativamente pela Administração Pública (conforme cronograma de desembolso), para que o particular execute as
atividades estabelecidas.
A principal peculiaridade do convênio, no entanto, não é prevista expressamente na Lei de Licitações, e diz respeito à impossibilidade de o particular ser remunerado pela execução do convênio. Em outras palavras, o convênio é uma
espécie de contrato administrativo em que o contratado (partícipe) não pode auferir lucro. 9
Fincada a natureza contratual destes tipos de convênios (celebrados entre o Poder Público e terceiros não integrantes da máquina estatal) como verdadeiros contratos administrativos, insta aferir o procedimento que deve ser tomado como fase prévia para a firmação de um convênio.
c) Quanto à fixação de um processo de seleção prévia para a firmação dos convênios administrativos
Como mencionado, traçada a natureza contratual dos convênios firmados entre o Poder Público e terceiros10 (pautado, sobremaneira, nos princípios constitucionais alinhados no ordenamento jurídico- administrativo), é indispensável um procedimento prévio para a seleção da pessoa com quem existirá a contratação.
No entanto, é perfeitamente possível que aperfeiçoamento do convênio importe situação de excludência, em que existam instituições privadas em situação equivalente, todas pretendendo a associação com o Estado. 11
Ressalte-se que, forte no aumento de repasse do Poder Público às entidades do terceiro setor, o posicionamento do Tribunal de Contas da União tem avançado no sentido de conferir maior objetividade à firmação dos convênios:
9.2.2. orientar os órgãos e entidades da Administração Pública para que editem normativos próprios visando estabelecer a obrigatoriedade de instituir processo de chamamento e seleção público previamente à celebração de convênios com entidades privadas em fins lucrativos, em todas as situações em que se apresentar viável e adequado à
natureza dos programas a serem descentralizados. 12
Há, por certo, uma tendência de conferir uma maior transparência a essas espécies de contratação.
Conclui-se, pois, que a expressão no que couber emerge com outra interpretação: aplicam-se também aos convênios entre o setor público e o setor privado todas as regras compatíveis com as disposições especiais do art. 116 da Lei no
8.666/93, incluindo as que estabelecem o dever de licitar. 13
Ademais, corroborando o entendimento acima esposado, o art. 4o do Decreto no 6.170/07, cuja redação foi alterada pelo Decreto no 7.568/11, salienta que:
Art. 4o A celebração de convênio ou contrato de repasse com entidades privadas sem fins lucrativos será precedida de chamamento público a ser realizado pelo órgão ou entidade concedente, visando á seleção de projetos ou entidades
que tornem mais eficaz o objeto do ajuste.
E por que possibilitar a competição mesmo se tratando de um acordo convenial? Ora, o epíteto utilizado, malgrado a concepção tradicionalista, não é suficiente para definir a natureza jurídica do instituto. Se há oportunização de competição, certamente não se trata de interesses convergentes, aptos à celebração de um convênio.
d) Retornando ao caso proposto: natureza jurídica da Fundação Marco Zero
Pois bem. Consoante delineado, no caso em tela, havia a possibilidade – e a necessidade (decorrente de regra legal, v.g., Decreto no 5.504/05) – de licitar, tanto assim que o processo se iniciou por meio de um normal, desejável, amplo e competitivo certame. Todavia, ainda que não fosse possível realizar um pregão – hipótese que se sustenta, exclusivamente, a título de argumentação -, a possibilidade de celebração do convênio não abria margens à escolha arbitrária da forma como foi procedida, por quê? Porque, seguramente, mais de um competidor interessava-se pelo certame.14
Segundo consta no Estatuto Social da Fundação, esta não possui fins lucrativos. Entretanto, volta-se a repetir: o simples fato de não visar ao lucro não oportuniza a contratação da forma envidada.
Percebe-se que o parecer jurídico da Assessoria Jurídica juntado aos autos, de fls. 327-346, opina pela celebração do convênio, mencionando, inclusive, o art. 24, inc. XIII, da Lei no 8.666/93, o qual prevê:
Art. 24 É dispensável a licitação:
XIII – na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada
detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos.
Todavia, no caso em tela, não se procedeu à dispensa de licitação, mas sim à firmação de um convênio. Sequer aconteceu o processo de contratação direta. A formação do convênio ocorreu diretamente entre o Estado do Amapá, por meio de sua Secretaria de Cultura do Estado, e a Fundação Marco Zero.
Ainda para corroborar, a Lei no 8.958/94, que “dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio e dá outras providências”, prevê, em seu art. 1o, § 4o:
§ 4o É vedada a subcontratação total do objeto dos ajustes realizados pelas IFES e demais ICTs com as fundações de apoio, com base no disposto nesta Lei, bem como a subcontratação parcial que delegue a terceiros a execução do
núcleo do objeto contratado.
Ao que se percebe, ainda que houvesse sido procedida a contratação direta, nenhum desses argumentos ganharia base. Mas, em verdade, não o foi. O órgão jurídico da Secretaria apoiou-se, como argumento para celebração do convênio, na hipótese prevista no art. 24, inc. XIII, que em nada se assemelha ao caso em tela.
Por fim, por mais que não seja objeto da consulta, destaque-se que o parecer técnico juntado aos autos enfatiza que o cumprimento do convênio não foi realizado pela Fundação e que, até a presente data, não houve, sequer, prestação de contas perante o Ministério do Turismo, urgindo, dessa feita, a adoção de uma medida mais urgente para que se possa averiguar as razões pelas quais não foi cumprido o avençado.
e) Quanto à responsabilização dos agentes públicos no presente caso
Inarredável a responsabilização dos agentes públicos que deram causa ao fato. Embora o objeto da consulta não seja diretamente relacionado a tal pretensão, nos autos há claramente que nem mesmo a prestação de contas fora realizada.
Portanto, a responsabilização deve ocorrer angariada em duas vertentes: a primeira decorrente da celebração de convênio quando se tratava de hipótese de licitação; a segunda, pela ausência de prestação de contas e, possivelmente, o que deve ser sindicado, pelo não cumprimento do objeto do convênio pela convenente Fundação Marco Zero.
Faz-se necessária a abertura de procedimento administrativo no presente caso, de modo que se oportunizem, na conformidade dos preceitos constitucionais, o contraditório e a ampla defesa às partes envolvidas, obedecendo, também, ao devido processo legal.
A bem da verdade, a Lei no 8.666/93, que salienta o princípio da obrigatoriedade da licitação, dispõe que:
Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas
as hipóteses previstas nesta Lei.
A desobediência de obrigação do processo de licitação ocasiona a subsunção do ato a um dos tipos penais
previstos no art. 89 e seguintes da Lei no 8.666/93.
O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas funções, podendo as sanções decorrentes de tais responsabilidades cumularem-se, sendo independentes entre si. Para tanto, faz-se necessária, como já dito, a abertura de processo administrativo.
CONCLUSÃO E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
Pelas razões expostas, pretendendo responder objetivamente à consulta e em atenção aos quesitos formulados neste dictamen: a contratação da Fundação Marco Zero, por meio de convênio administrativo, foi ilegal, a uma, porque havia a necessidade de realização de procedimento licitatório na modalidade pregão; a duas, porque, se fosse possível a contratação com base no art. 24, inc. XIII, da Lei no 8.666/93, esta deveria ocorrer por meio de procedimento licitatório de contratação direta, e não com base em convênio administrativo.
Considerando, ainda, a ausência, até a presente data, de prestação de contas perante o Ministério do Turismo, imprescindível a notificação da Fundação Marco Zero (CNPJ no 09.514.395/0001-51) para apresentar a devida prestação de contas e o cumprimento do Convênio no 002/2010.
Por fim, destaca-se a necessidade de abertura de processo administrativo para averiguar a responsabilidade dos servidores que deram causa à celebração do convênio, oportunizando o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Com escusas de haver excedido o limite meramente técnico que a consulta formulava e, adentrando, um pouco, na seara administrativa, é o que nos parece.
Remeto às considerações superiores.
Como citar este texto:
SOUSA, Guilherme Carvalho e. Convênio – Estado do Amapá e Fundação Marco Zero – Análise – Natureza jurídica – Contrato administrativo – Dever de licitar – Impossibilidade de celebração de convênio – Responsabilização dos agente públicos. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 231, p. 463-470, maio 2013.
1 Convênio no 703397/2009.
2 Ofício no 231/2012, CGCQ/DCPAT/SNPDT/Mtur, de 05.09.2012.
3 Parecer Técnico no 028/2012/CGCQ/DCPAT/SNPDT/Mtur, de 02.07.2012.
4 Termo de Cooperação Técnica no 001/2008-SETUR.
5 A respeito do tema, vide ARAÚJO, Edmir Netto. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 729: “Convênios são convenções, mas não contratos, pois nestes as vontades são antagônicas, se compõem, mas não se adicionam, delas resultando uma terceira espécie (vontade contratual), resultante e não soma), ao passo que nos convênios, como nos consórcios, as vontades se somam, atuam paralelamente, para alcançar interesses e objetivos comuns”. No mesmo sentido, JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética. 2008. p. 668: “Convênio é o “instrumento de realização de
um determinado e específico objetivo, em que os interesses não se contrapõem – ainda que haja prestações específicas e individualizadas, a cargo de cada partícipe. No convênio, a assunção de deveres destina-se a regular atividade harmônica de sujeitos integrantes da Administração Pública, que buscam a realização imediata de um mesmo e idêntico interesse público”.
6 Embora não seja objeto da consulta, mas considerando que umbilicalmente ligado a este, não existem nos autos razões convincentes para anulação do certame. A documentação juntada demonstra que, aparentemente, a anulação ocorreu sem fundamentação legal plausível.
7 E quando se fala em licitação, refere-se ao procedimento licitatório como um todo, independentemente de haver a possibilidade de contratação direta. É que, mesmo em se tratando de contratação direta, ainda assim existe licitação, embora não haja competitividade. Diversa é, portanto, a celebração de um convênio, pois, da licitação (como fase prévia de um processo de contratação pública), decorre um contrato administrativo.
8 A respeito do tema, vide DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
9 MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios administrativos: aspectos polêmicos e análise crítica de seu regime jurídico. São Paulo: Atlas, 2012. p. 197.
10 Utiliza-se a acepção de Gustavo Alexandre Magalhães, em Convênios administrativos (…), op. cit., p. 202, nominando esses acordos de convênios público-privados, assim entendidos como aqueles firmados “entre a Administração Pública e uma entidade privada, sem que o particular possa auferir lucro em decorrência das atividades desempenhadas no intuito de atender aos objetivos pactuados”. Não se desconhecem as diversas acepções que a doutrina traça sobre o tema. No mesmo sentido: “Não há apenas um tipo de convênio, mas vários. Por exemplo, o convênio previsto no art. 116 da Lei federal no 8.666, de 21 de junho de 1993, trata-se do convênio de repasse de recursos, muito diferente, por exemplo, de um convênio de mera cooperação técnica ou de delegação do exercício de competência; é, portanto, um erro aplicar o regime administrativo-financeiro do primeiro quando se está em face de um dos dois últimos”. (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os consórcios públicos. Revista Eletrônica de Direito do Estado (on-line). Disponível em: ?www.direitodoestado.com.br?. Acesso em: 24 jan. 2013.
11 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 954-955.
12 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão no 1.331/2008. Plenário. Solicitação do Congresso Nacional; Processo no 027.206/2006-3. Rel. Min. Benjamin Zymler. j. 11.07.2008. Disponível em: ? http://contas.tcu.gov.br/pt/MostraDocumento?qn=3?. Acesso em: 24 jan. 2013.
13 MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Op. cit., p. 234-235.
14 A prova de tal constatação encontra-se nos autos, pois, quando da deflagração do edital do certame, mais de cinco empresas compareceram retirando o edital – documento de fls. 122-126.