CONVÊNIO ADMINISTRATIVO (TERMO DE COOPERAÇÃO DE GESTÃO ASSOCIADA) DESCUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS DO CONVÊNIO – POSSIBILIDADE DE RESCISÃO NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO – MODALIDADE CONCORRÊNCIA – CONCESSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO

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Processo nº 51.000.012/2008

Interessada: Secretaria de Turismo do Estado Trata-se de convênio firmado entre o Estado

do Amapá, de um lado, e a Cooperativa de Negó-

cios e Consultoria Turística – Conectur, de outro, para gestão associada do Hotel-Escola Bosque do Arquipélago do Bailique. A Secretária de Es- tado do Turismo consulta esta Procuradoria so- bre a condição de legalidade e permanência do convênio firmado entre o Estado, por meio de sua Secretaria de Turismo, e a cooperativa.

 

QUESITOS

  1. – Qual a natureza jurídica dos convênios? O que os diferencia dos contratos administrativos?
  2. – Em havendo possibilidade de concorrên- cia, é possível a firmação do convênio com enti- dade particular sem fim lucrativo ou há a neces- sidade de procedimento licitatório?
  3. – O não cumprimento dos termos do con- vênio pela convenente importa sua rescisão de pleno direito?
  4. – Uma vez rescindido o convênio, qual a melhor alternativa para a Administração Pública quanto à utilização do bem público? Repousa sobre tais questionamentos o discorrer fático-ju- rídico que se ocupará de responder no presente dictamen.

PRELÚDIO FÁTICO

Em 10 de janeiro de 2008, o representante legal da Cooperativa de Negócios e Consultoria Turística – Conectur, convenente, enviou solicita- ção1 de interesse na exploração do Hotel-Escola Bosque do Arquipélago do Bailique, seguindo, em anexo, projeto2 para análise e apreciação pelo se- tor competente da secretaria. No referido projeto, constam introdução, descrição da estrutura física do hotel-escola, diagnóstico da situação atual do hotel-escola, gestão do hotel-escola, objetivos, meta, justificativa, concepção do projeto, projeto pedagógico, metodologia, custo total do projeto, possíveis parcerias.

Junto a tal solicitação, veio, também, o esta- tuto da Conectur, e demais documentos relativos à cooperativa, como certidões negativas, ata de assembleia geral, dentre outros.

A fls. 56-60, há parecer técnico3  do Depar- tamento de Desenvolvimento de Turismo do Es- tado, Divisão de Operacionalização de Projetos Especiais, entendendo, sinteticamente, pela pos- sibilidade de firmação do termo de cooperação.

Das fls. 83-92, há a minuta do convênio com referidos anexos. Ato contínuo, houve a emissão de manifestação jurídica4 da Assessoria Jurídica da Secretaria (fls. 93-96), opinando, favoravel- mente, pela celebração do convênio.

 

1.  Ofício nº 001/2008.

  1. Gestão do Hotel-Escola Bosque. Utilização da biodiversidade, serviços da comunidade e infraestrutura existente no distrito do Bailique para a implantação do Programa do Turismo Solidário.
  2. Parecer Técnico nº 001 – DDT-Dope-Setur, de 28.1.08.
  3. Parecer nº 008/2008 – Assejur/Setur.

 

Fora emitido, ainda, parecer jurídico5 pela Procuradoria Geral do Estado, no qual houve opinião favorável pela celebração do convênio, não obstante as ressalvas feitas, destacando-se:

  1. comprovação efetiva de que a convenente (Co- nectur) é instituição cooperativa sem fim lucrati- vo; b) inexistência de qualquer outro interessado na gestão do Hotel-Escola Bosque; c) assunção de compromissos pela Conectur no desembolso de valores para reforma/reparo do hotel; d) com- provação efetiva de firmamento de parcerias com outros órgãos que possam, efetivamente, auxiliar na revitalização do hotel; e) assunção incondi- cional de qualquer efeito de natureza trabalhista e cível, em caso de reclamação de pessoal ou vítima, em decorrência da exploração do uso do bem pela Conectur.

Houve o acolhimento parcial, pelo Procura- dor-Geral do Estado à época, do retromenciona- do parecer jurídico, excluindo, apenas, a exigên- cia contida na al. d.

A fls. 110-112, há outra manifestação jurídica6 da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado mencionando a natureza não lucrativa da con- venente – Conectur e opinando pelo prossegui- mento do processo para formalização do convê- nio em pauta.

Logo após, houve parecer técnico do Depar- tamento de Planejamento do Turismo – DPT, da Secretaria de Estado do Turismo, concluindo que o plano de trabalho deveria, apenas, ser altera- do em suas datas, tendo em vista encontrar-se adequado ao objeto do convênio, recomendando, ainda, que fossem realizados os procedimentos necessários para a assinatura dos documentos, convênios e protocolos no prazo mais rápido, de modo a interromper a deterioração do patrimônio.

Das fls. 129-138, segue o convênio, com seus anexos, devidamente assinado pelo Governador do Estado (concedente), pelo Presidente da Co- nectur (convenente) e pela Secretária de Turis- mo do Estado (interveniente/concedente), com a aposição de duas testemunhas. Continuamente, nas fls. 139-140, há o Termo Provisório de En-

trega de Bens Públicos (imóvel e mobiliários) ao convenente, documento datado do dia 16.4.08. O convênio foi devidamente publicado no Diário Ofi- cial do Estado nº 4300, que circulou em 30.7.08.

Já em 20 de abril do ano de 2009, a Chefe da Unidade de Convênios e Contratos da Secre- taria de Turismo do Estado informou7 à Secretá- ria de Estado ter recebido o primeiro relatório de execução do convênio estadual sob análise (fls. 145-150), solicitando, ainda, o encaminhamento do processo para a área técnica, para que fosse emitido parecer, tendo como parâmetro o plano de trabalho, visita in loco e outros documentos necessários para a comprovação das atividades realizadas no bem público objeto do convênio. Posteriormente, 2 (dois) anos após o último ato juntado ao processo, houve, por parte da atual Secretária de Turismo do Estado (fls. 151), en- caminhamento dos autos à Assessoria Jurídica da Secretaria, solicitando a emissão de parecer sobre a permanência do termo de cooperação associada. Mais uma vez, a Assessoria Jurídi- ca da Secretaria de Turismo do Estado emitiu manifestação jurídica opinando, apertadamente, pela rescisão contratual do convênio em apreço e determinando que fosse expedida carta regis- trada para a convenente (Conectur), dando pra- zo de 60 (sessenta) dias para a desocupação do imóvel, e, ainda, que fosse deflagrado processo administrativo licitatório.

Por determinação da regra inserta no art. 2º do Dec. estadual nº 3.999/10, vieram, então, os autos a esta Procuradoria para emissão de pa- recer jurídico. Era o que cumpria, laconicamen- te, relatar.

 

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

    • A figura do convênio

Como dito, a fundamentação para o presente caso reside, primeiramente, em saber a nature- za jurídica dos convênios, figura que se amolda de forma diversa dos contratos e que encontra, na doutrina e na jurisprudência, conceituação polêmica.

 

  1. Parecer Jurídico nº 135/2008 – PGE.
  2. Manifestação nº 005/2008 – Assejur/Setur.
  3. Memorando nº 013/2009 – UCC/Setur.

 

A diferenciação faz-se pertinente ao caso, uma vez que a proposta da consulta formulada reside, justamente, em saber se se trata de um objeto cuja realização de licitação era imprescin- dível. “A distinção é sumamente importante, por- quanto o convênio não tem como antecedente necessário o procedimento licitatório”.8 Em prin- cípio, “não é necessária a realização de licitação para celebração de convênios”.9

Para Edmir Netto de Araújo,

Convênios são convenções, mas não contratos, pois nestes as vontades são an- tagônicas, se compõem, mas não se adicio- nam, delas resultando uma terceira espécie (vontade contratual, resultante e não soma), ao passo que nos convênios, como nos con- sórcios, as vontades se somam, atuam pa- ralelamente, para alcançar interesses e ob- jetivos comuns.

São, portanto, acordos de cooperação (quando todas as pessoas têm atividades preordenadas para o fim desejado) ou de colaboração (quando as pessoas desempe- nham atividades-meio, preparatórias, auxilia- res ou complementares da atividade estatal, para o objetivo comum), e por essa razão a posição jurídica dos signatários é uma só, idêntica para todos, podendo haver, apenas, diversificação na cooperação de cada um, segundo as suas possibilidades, para conse- cução do objetivo comum, desejado por to- dos, do que decorre: ausência de vinculação contratual, a inadmissibilidade de cláusula de permanência obrigatória (os convenentes podem denunciá-los antes do término do pra- zo de vigência, promovendo o respectivo acerto de contas) e de sanções pela inadimplência.10

O Tribunal de Contas da União explica, di- daticamente, referida diferenciação entre convê- nios e contratos, em voto do Ministro Mário Pa- cini, verbis:

Grosso modo, pode-se dizer que a distin- ção mais precisa entre o contrato e o convê- nio é quanto à reciprocidade de obrigações (bilateralidade). Enquanto no contrato uma das partes se obriga a dar, fazer ou não fa- zer alguma coisa, mediante pagamento pre- viamente acertado (caso mais comum nos contratos de compra e venda, para não nos alongarmos na extensa doutrina dos contra- tos), no convênio os interesses são comuns e a contraprestação em dinheiro não precisa existir. O que se faz é ajuste de mútua colabo- ração para atingimento de objetivo comum.11

Os convênios podem ser celebrados entre órgãos de uma mesma pessoa jurídica, ou por pessoas jurídicas distintas, e, quanto a este últi- mo caso, sua execução e operacionalidade fin- cam-se na confiança recíproca e na cooperação.

Para Marçal Justen Filho,

Convênio é o “instrumento de realização de um determinado e específico objetivo, em que os interesses não se contrapõem – ain- da que haja prestações específicas e indi- vidualizadas, a cargo de cada partícipe. No convênio, a assunção de deveres destina-se a regular atividade harmônica de sujeitos in- tegrantes da Administração Pública, que bus- cam a realização imediata de um mesmo e idêntico interesse público.12

A celebração dos convênios, por sua nature- za, independe de licitação prévia. A Constituição vigente, embora não se referindo, expressamen- te, aos convênios no conjunto de regras que tra- tam da partilha de competências, deixa implícita a possibilidade de serem ajustados, o que se deduz através da leitura do art. 23, parágrafo único, com a redação dada pela EC nº 53/2006: “leis comple- mentares fixarão normas para a cooperação en- tre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desen- volvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.

 

  1. MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 827.
  2. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das concessões: concessões, terceirizações, convênios, consór- cios, acordos e outras formas de gestão associada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 439.
  3. ARAÚJO, Edmir Netto. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 729. 11. TCU, TC 01.582-5, DOU de 18.9.85.
  1. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 668.

 

Um ponto interessante merece ser destaca- do: a questão da entidade de apoio, a qual, se- gundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro,13 é uma pes- soa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, em regra, associação ou fundação, que presta serviços sociais não exclusivos do Estado, man- tendo vínculo com entidade da Administração di- reta ou indireta, em regra por meio de convênio. No presente caso, por se tratar de um acordo de cooperação, torna-se inócua a existência da en- tidade de apoio.

    • Da análise do caso concreto

O art. 116 da Lei de Licitações e Contratos salienta quais são os requisitos mínimos para que seja realizado um convênio. Furtar-se-á da análise de tal dispositivo legal, uma vez que des- necessário para o presente caso. Por isso, im- porta mencionar, acima de tudo, as exigências previstas na Lei nº 8.666/93 no que concerne à obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório.

Licitar não é uma faculdade da Administra- ção, mas um dever, mister constitucionalmente delineado pelo legislador constituinte originário que norteia a atividade administrativa e garante a preservação do interesse público, visando, so- bremaneira, à escolha da proposta mais vantajo- sa para o Poder Público. Celso Antônio Bandeira de Mello acentua que:

(…) sendo encarregada de gerir interesses de toda a coletividade, a Administração não tem sobre estes bens disponibilidade que lhe confira o direito de tratar desigualmen- te àqueles cujos interesses representa. Não sendo o interesse público algo sobre que a Administração dispõe a seu talante, mas, pelo contrário, bem de todos e de cada um, já as- sim consagrado pelos mandamentos legais que o erigiram à categoria de interesse desta classe, impõe-se, como conseqüência, o tra- tamento impessoal, igualitário ou isonômico, que deve o Poder Público dispensar a todos os administrados.14

Na verdade, o dever de licitar traduz-se não apenas como um munus para o Estado, mas, principalmente, como verdadeira política pública.

É impossível compreender-se Estado democrático de direito operante sem políti- cas públicas pré-definidas e funções admi- nistrativas sem o balizamento de normas jurídicas. A atividade contratual da Adminis- tração Pública, mesmo quando no exercício de competências discricionárias, deve expri- mir escolhas ditadas por políticas públicas e implementadas de acordo com as normas jurídicas que viabilizem a concretização do interesse público.

A norma constitucional que estabelece o dever de licitar traduz política pública na me- dida em que pressupõe ser a competição se- letiva isonômica aquela que habilita a Admi- nistração Pública, consultado o mercado, à identificação da proposta mais favorável à prestação de serviços, à execução de obras, à compra ou à alienação de bens. A competição reduz o risco de formação de cartéis e superiormente atende aos princípios nomeados na cabeça do art. 37 da CR/8815 (grifo não consta no original).

O Supremo Tribunal Federal oportunizou o debate sobre o tema, em voto da lavra da Ministra Cármen Lúcia, enaltecendo o princípio da obriga- toriedade do procedimento licitatório:

A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à adminis- tração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela administração. (…) Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de via- bilizar, através da mais ampla disputa, envol- vendo o maior número possível de agentes

 

  1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas.
  2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 73.
  3. PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas públicas nas licitações e contratações admi- nistrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 31.

 

econômicos capacitados, a satisfação do in- teresse público. A competição visada pela li- citação, a instrumentar a seleção da propos- ta mais vantajosa para a administração, im- põe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da administração (…).16

Ora, por várias vezes, no curso do processo, verificou-se, sobremaneira, quando da emissão do primeiro parecer jurídico da Procuradoria Ge- ral do Estado, a necessidade de demonstração de outros interessados no objeto do convênio. E como se comprova tal desinteresse? Através de procedimento licitatório.

É que a figura aqui tratada, transmudada pelo rótulo “convênio”, converte-se, na verdade, sob as especificidades de um contrato administrati- vo, cujas bilateralidade e comutatividade ecoam com mais veemência.

Por várias razões, adiante já assinaladas, percebeu-se a impossibilidade de se firmar um convênio no caso em tela. A principal dessas ra- zões reside, precisamente, na possibilidade de competição, ferindo o princípio da obediência ao procedimento licitatório.

Com efeito, não consta, nos autos, nenhuma justificativa de que somente a cooperativa con- venente era a única e exclusiva interessada pela exploração do hotel. Se tão vantajosa é a explo- ração turística do local, como fazem crer as justi- ficativas, a amplitude concorrencial somente seria aferível por meio de prévio procedimento licitató- rio, o que de fato não ocorreu.

Todavia, uma situação encontra-se posta e, sobre esta, deve o Estado, por meio desse núcleo consultivo, oferecer uma resposta.

    • A solução possível e adequada

A opinião do parecerista quanto à viabilidade econômica do empreendimento é inócua, eis que a consulta se reflete quanto a aspectos jurídicos. Resta saber, então, se houve afronta ao princípio da obrigatoriedade de observação de licitação. De antemão, já se antecipou: acredita-se que sim.

A Constituição Federal regula a matéria em seu art. 175, o qual foi regulamentado pela Lei nº 8.987, de 13.2.1995. Utilizando-se de seu poder de auto-organização, o Estado do Amapá previu a matéria. O art. 189 da Constituição Es- tadual vaticina que ao Estado incumbe a presta- ção de serviços públicos de sua competência. O

§ 1º do referido artigo salienta que a execução poderá ser delegada, precedida de licitação, nos regimes de concessão ou permissão.

Regulamentando o referido artigo da Consti- tuição Estadual, a Lei nº 916, de 18.8.05, dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos no Estado.

Os arts. 3º e 15 da referida lei são enfáticos ao afirmarem que:

Art. 3º – As concessões de serviço públi- co e as concessões de obras públicas serão sempre precedidas de licitação, na modali- dade de concorrência pública.

Art. 15 – Toda concessão ou permissão de serviço público, precedida ou não de exe- cução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legali- dade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vin- culação ao instrumento convocatório.17

Estar-se-ia, portanto, a tratar de concessão de uso de bem público, entendida como “o contra- to administrativo pelo qual, como o nome já indi- ca, a Administração trespassa a alguém o uso de um bem público para uma finalidade específica”.18

O primeiro e imprescindível requisito para que se promova a concessão de determinado serviço público (existência de lei) encontra-se, desse modo, atendido, forte na legislação esta- dual retromencionada.

Para manter a igualdade de participação en- tre os possíveis interessados, deve ser promovi- do, como alhures aludido, o competente proce- dimento licitatório, sendo a concorrência a mo- dalidade licitatória para a concessão de uso de

 

  1. STF. RE nº 607.126-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 2.12.10, 1ª T., DJe de 1º.2.11.
  2. Disponível em: <http://www.al.ap.gov.br/pagina.php?pg=buscar_legislacao&tipo=lo&situacao=aprovado>. Acesso em: 13 jul. 2011.
  3. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 920.

 

bens públicos, o que se deduz, também, de acor- do com a regra inserta no art. 45, § 1º, da LNL.

Podem ser objeto de concessão de uso os bens públicos em geral, de acordo com a destinação específica, legal ou contratual, que a eles é dada, devendo estar essa desti- nação explicitada no contrato de concessão, nas cláusulas que tratam do objeto, finalida- des e condições do uso concedido.19

É de bom alvitre salientar que o bem objeto do futuro contrato de concessão classifica-se, de acordo com a categorização adotada pela doutri- na em geral, como bem de uso especial, assim entendido:

(…) os afetados a um serviço ou estabele- cimento público, como as repartições públi- cas, isto é, locais onde se realiza atividade pública ou onde está à disposição dos admi- nistrados um serviço público, como teatros, universidades, museus e outros abertos à vi- sitação pública.20

Diante do estado em que se encontram os bens mobiliários e o próprio bem imóvel – Hotel-Escola Bosque Arquipélago do Bailique –, poder-se-ia questionar, inclusive, a desafetação do próprio bem, uma vez que, segundo relatório, não tem sido utilizado para sua finalidade precípua: ex- ploração de atividade turística.

Inquestionavelmente, pelo desuso do bem no seu desígnio principal, estar-se-ia na iminên- cia de uma desafetação, a qual, em regra, deve acontecer por autorização legislativa, muito em- bora a doutrina21 entenda que, por acontecimen- tos outros, o bem público, de uso especial, tam- bém possa ser desafetado. Portanto, para que se mantenha a finalidade para o qual foi constituído, deve ser feito o contrato administrativo de con- cessão de uso de bem público.

    • Quanto à rescisão do Convênio 001/08

Pelo que pôde ser observado pelo inventário de bens juntado ao processo, realizado por inter- médio de Comissão Responsável para Realizar

o Levantamento Patrimonial dos Bens Móveis e Imóveis da Secretaria de Estado do Turismo, a convenente – Conectur – abandonou o projeto e deixou de cumprir as cláusulas do contrato, não conservando os bens nas mesmas condições de conservação e limpeza. Afora isso, deixou de apresentar, no fim do primeiro trimestre do ano, o relatório anual das atividades/metas alcança- das do ano anterior.

A cláusula quinta do Convênio nº 001/08 es- tabelece que “o presente convênio terá vigência de 10 (dez) anos, a partir do dia da data de assi- natura, podendo ser prorrogado, alterado ou com- plementado, por acordo entre as partes, mediante assinatura de Termo Aditivo”.

Por outro lado, o parágrafo único da mesma cláusula ressalva que “a vigência do convênio estará condicionada à apresentação do relatório de atividades/metas alcançadas pelo convenente que deverá ser entregue, impreterivelmente, no final do primeiro trimestre de cada ano”.

Ao que já pôde ser observado, trata-se, em verdade, de instrumento jurídico com feições mais apropriadas aos contratos. A cláusula oitava do referido convênio menciona a possibilidade de rescisão e alteração, esta podendo ser feita por termos aditivos. Todavia, vaticina que a rescisão deverá ser de comum acordo entre as partes, a qualquer tempo, por inadimplência total ou parcial de quaisquer das obrigações ou condições pac- tuadas, desde que, para tanto, haja comunicação de uma parte à outra, mediante carta registrada, com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.

Ocorre que, não obstante a cláusula oitava prever a rescisão do contrato, a cláusula sétima também menciona, sob a rotulação “reversão”, a total nulidade do termo, independentemente de ato especial, nos casos, dentre outros, em que houver inobservância da apresentação do rela- tório de atividades e metas, e se ocorrer inadim- plemento de cláusula do convênio.

Por força da regra posta no caput do art. 116 da Lei nº 8.666/93, segundo a qual são aplicáveis

 

 

  1. ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 743.
  2. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 904.
  3. Idem, ibidem, p. 905.

 

aos convênios as suas disposições, é possível evidenciar as hipóteses de rescisão contratual.

Há vários motivos, dantes referidos, que en- sejam a rescisão contratual.22 Importa, acima de tudo, que, antes de rescindir o convênio, seja opor- tunizado à convenente defesa prévia, em atendi- mento aos princípios constitucionais do contradi- tório, ampla defesa e devido processo legal.

Na medida em que a ampla defesa não pode ser considerada como simples garan- tia formal, mas como participação efetiva do interessado no aclaramento e formação da decisão, faz-se necessário o pleno conheci- mento das razões dos atos administrativos e processuais, pois somente assim se poderá construir uma orientação ou conclusão váli- da a respeito deles.23

O Superior Tribunal de Justiça também já se manifestou, favoravelmente, sobre o tema, enten- dendo pela obediência ao devido processo legal, quando do julgamento do recurso em Mandado de Segurança nº 16.761, DJ de 6.3.06.

Desta feita, para que se proceda à rescisão, necessária se faz a comunicação da convenente para que possa, caso queira, manifestar-se sobre aludida rescisão.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, esta Procuradoria, em análise restrita à documentação juntada ao processo, opina pela rescisão do Convênio nº 001/08, oportunizando, todavia, à parte conve- nente – Conectur – o direito à defesa prévia, em que lhe seja garantido o contraditório, o que, em obediência à cláusula oitava do convênio, deve ser feita por meio de expedição de carta regis- trada, com antecedência mínima de 60 (sessen- ta) dias.

Faz-se necessária a apuração da responsa- bilidade do agente público que não fiscalizou o cumprimento do convênio, importando, assim, caso constatada a existência de danos, possível reparação.

Ultimados tais atos, deve-se deflagrar pro- cedimento licitatório, sob a modalidade concor- rência, para a concessão de uso de bem público, em consonância ao disposto no art. 189 da Cons- tituição Estadual e Lei nº 916/05 (arts. 3º e 15).

Escusando-se de haver ultrapassado o pe- dido meramente jurídico que a consulta reque- ria, é o que parece. Remeto às considerações superiores.

Macapá, 19 de julho de 2011.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Utilizar-se-á o termo “contratual”, porque, embora se trate de convênio, este pode se abeberar das regras peculiares aos contratos (art. 116, caput, Lei nº 8.666/93).
  2. MOTTA, op. cit., p. 614.

Cuidado: tentativa de golpe

Prezados,

O nosso Escritório não atua em causas previdenciárias em nenhuma unidade da Federação, sobretudo no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), com sede em São Paulo (SP), tampouco solicita pagamento de custas processuais para o recebimento de quaisquer valores.
Esse esclarecimento se faz necessário porque a logomarca do nosso Escritório voltou a ser utilizada por terceiros em tentativas de golpe.
Informamos, ainda, que as autoridades competentes foram acionadas para apurarem essas tentativas de golpe, das quais o nosso Escritório também é vítima

Guilherme Carvalho & Advogados Associados