No que se refere aos acidentes de trabalho, o ordenamento jurídico assegura indenizações por danos patrimoniais (emergentes e lucros cessantes) e compensações por extrapatrimoniais (moral, estético e existencial) aos trabalhadores ou seus dependentes, a depender do infortúnio.
Dentre os riscos assumidos pelos empresários, designadamente os empregadores, inserem-se os acidentes de trabalho, os quais nem sempre ocorrem por culpa dos empregadores, bem se diga.
No que se refere aos acidentes de trabalho, o ordenamento jurídico assegura indenizações por danos patrimoniais (emergentes e lucros cessantes) e compensações por extrapatrimoniais (moral, estético e existencial) aos trabalhadores ou seus dependentes, a depender do infortúnio.
Desafortunadamente, verificam-se situações em que a Justiça do Trabalho ignora o ordenamento jurídico, impondo aos empregadores condenações que resultam em enriquecimento sem causa. Por exemplo, na hipótese de acidente de trabalho “com” óbito, quando é assegurado aos dependentes do trabalhador vitimado o pagamento de pensionamento (lucros cessantes correspondentes às obrigações alimentícias) em parcela única.
Quanto à forma de pagamento (em única ou múltiplas parcelas) da indenização à título de lucros cessantes, o Código Civil possui regramento distinto para os acidentes “com” e “sem” óbito, senão vejamos:
Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
(…)
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
Infere-se do art. 948, II, do Código Civil, que o acidente de trabalho “com” óbito enseja o pagamento de pensionamento em parcelas sucessivas, enquanto o acidente de trabalho “sem” óbito pode ensejar o pagamento de pensionamento em parcela única, desde que requerido pela própria vítima, conforme disciplinado no art. 950, parágrafo único, do mesmo Codex.
Essa distinção é imprescindível para a análise de situações em que alguns Tribunais Regionais do Trabalho condenam empregadores ao pagamento de pensionamento em parcela única, ignorando a circunstância a fatalidade do acidente de trabalho. Por amostragem, vejamos o seguinte julgado:
RECURSO DO RECLAMANTE. ACIDENTE DE TRABALHO. COBRADORA. ATROPELAMENTO. MORTE. RESPONSABILIDADE CIVIL. ART. 927 E 950 DO CC. A percepção de benefício previdenciário pelos herdeiros, no caso, a pensão por morte, não afasta o direito à indenização por dano material. O art. 7º, inciso XXVIII, da CF/88, prevê a indenização reparatória independentemente do seguro social. RECURSO DA RECLAMADA. Configurado o ambiente de trabalho inseguro não há como prosperar a tese defensiva de que o acidente ocorrera por culpa exclusiva da vítima e sim por culpa da reclamada que não proporcionou a empregada um ambiente de trabalho suficientemente seguro para prevenir acidentes (art. 7o, XVIII, CF/88). Mantém-se o dever de reparar. Recursos ordinários conhecidos. Provido parcialmente o recurso do reclamante para deferir o pensionamento em parcela única ao companheiro da falecida, com fulcro no art. 950, do CC.1 (Grifo nosso)
Ocorre que o sobredito posicionamento não merece prosperar sob o prisma da proibição principiológica ao enriquecimento sem causa.
Isso porque, ainda que a expectativa de vida de eventual trabalhador acidentado seja de 40 (quarenta) anos, não será lícito exigir de empregador pagamento de pensionamento em parcela única a filho de 15 (quinze) anos, nem a mãe de 75 (setenta e cinco) anos de idade, considerando que, nessas situações ilustrativas, inexistiu a justa expectativa de que a obrigação alimentícia do trabalhador se estenderia por 40 (quarenta) anos.
O pagamento de pensionamento em parcela única desfigura a própria obrigação alimentícia, sobretudo quando a indenização é devida aos dependentes econômicos do trabalhador vitimado fatalmente. A obrigação alimentícia, que é de trato sucessivo e intransmissível, possui a finalidade de assegurar sustento com dignidade, conforme ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald.2 A obrigação alimentícia, portanto, não se presta à aquisição de bens, tais como veículos e imóveis.
Se um idoso de 75 (sessenta e cinco) anos de idade, cuja expectativa de vida não supera 2 (dois) anos3, percebe indenização equivalente à 40 (quarenta) anos de alimentos, é muito provável que ele dissipe o crédito, distribuindo (transmitindo, por via transversa, o que é intransmissível) para outros parentes, o que também desfigura a origem da indenização, qual seja, obrigação alimentícia de trato sucessivo, conforme adverte Rui Stoco acerca do risco da dissipação do crédito alimentício:
Há que se considerar, também, que a indenização tarifada, de uma só vez, encerra duplo inconveniente: pesa na economia e planejamento de qualquer um, dificultando o desembolso por parte do devedor, mais das vezes tornando-o insolvente ou obrigando-o a dilapidar seu patrimônio ou sacrificar o próprio sustento e de sua família, e pouco representa ao credor, quase sempre tentado a utilizar o montante havido por inteiro, na aquisição de bens materiais supérfluos ou na sua consumação aleatória irresponsável, dissipando em pouco tempo o capital recebido. Omissis. (Grifo nosso)
Destarte, a norma (Código Civil, art. 950, parágrafo único) que versa sobre o pagamento de pensionamento de uma só vez não deve ser interpretada de modo extensivo, pois se trata de regra específica aos casos de acidente “sem” óbito, a qual é extremamente onerosa, cujo potencial de inviabilizar a atividade empresarial não deve ser subestimado.
Em abono à interpretação restritiva do pagamento de pensionamento em parcela única, enfatiza Raimundo Simão de Melo que “é a vítima, e somente ela, que cabe decidir por um pagamento único, a ser arbitrado pelo magistrado.”4
De tal sorte, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou jurisprudência no sentido de que o disposto no art. 950, paragrafo único, do Código Civil se restringe aos acidentes de trabalho “sem” óbito, conforme ilustra o seguinte precedente:
EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/14. ACIDENTE DO TRABALHO COM ÓBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PAGAMENTO EM PARCELA ÚNICA. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 950, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC. A faculdade prevista no parágrafo único do art. 950 do CC, de exigir que a indenização por danos materiais seja paga em parcela única, é conferida ao empregado que, em decorrência de acidente do trabalho, está incapacitado para o trabalho de forma permanente, total ou parcialmente. Em casos como o dos autos, de acidente do trabalho com óbito, o pagamento de indenização por danos materiais aos dependentes do ex-empregado está assegurado no art. 948, II, do CC, que se refere à “prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima”, não havendo amparo legal para o seu pagamento de uma única vez. Recurso de embargos conhecido e provido.5
Deveras, a condenação do empregador ao pagamento de pensionamento em parcela única em caso de acidente de trabalho “com” óbito viola o disposto no art. 948, inciso II, do Código Civil, bem assim o disposto no art. 950, parágrafo único, do mesmo Codex, sendo esta regra específica aos casos de acidente de trabalho “sem” óbito, conforme doutrina e jurisprudência alinhavadas.
Persistindo, todavia, condenação à título de pensionamento em parcela única no caso de acidente de trabalho “com” óbito, deve-se observar, pelo menos, a expectativa de vida do dependente econômico, acaso esta seja menor que a expectativa de vida do trabalhador vitimado.
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1 TRT 11 – RO 0001158-63.2017.5.11.0002, Relator: Valdenyra Farias, Data de Julgamento: 18/11/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: 25/11/2020.
2 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: famílias, volume 6. – 7. ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Altas, 2015, págs. 673, 678 e 680.
3 https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/11/25/ibge-expectativa-de-vida.htm
4 MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidade legais, dano material, dano moral, estética, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 5. ed. – São Paulo: LTr, 2013, pág. 493.
5 TST – E-ED-ED-ARR 0000407-91.2011.5.15.0029, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 07/12/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 15/12/2017.
Raphael Guimarães
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste. Advogado atuante.
Luiz Phillipe de Oliveira Gomes Martins
Analista Judiciário da Justiça do Trabalho. Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/386072/acidente-de-trabalho-e-as-formas-de-pensionamento