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A locação de bens imóveis para a Administração Pública sempre foi objeto dos mais acalorados debates, notadamente porque trata de uma parte do Direito Administrativo mais voltado à utilização de normas do Direito Privado. Por outro lado, não há negar que a locação de imóveis para o poder público sinaliza características peculiares, as quais sempre renderam polêmicas, sobretudo em face da possibilidade de contratação direta.
Na sistemática da Lei nº 8.666/1993, a locação de imóveis encontra-se prevista como uma das hipóteses de dispensa de licitação, fato este que ensejou a manifestação dos órgãos de controle em vários casos, formando, maiormente no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), uma jurisprudência que influenciou na edição da Lei nº 14.133/2021 (a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
A Lei nº 14.133/2021 modifica parcialmente a natureza da contratação relacionada à locação de imóveis, não só por destinar um dispositivo próprio a esse fim como também por excluir tal modalidade de contratação como licitação dispensável, permitindo, ainda que como exceção, a contratação direta mediante a inexigibilidade de licitação.
Neste artigo, será abordada primeiramente a locação de imóveis sob o contexto da Lei nº 8.666/1993, bem assim com base na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Posteriormente, abordar-se-á a sistemática da locação de imóveis no contexto da Lei nº 14.133/2021, explicitando a regra geral insculpida no artigo 51, como também a exceção contida no inciso V do caput do artigo 74 dessa mesma lei.
De acordo com o artigo 24, X, da Lei nº 8.666/1993, é dispensável a licitação para locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia.
Portanto, para a perfeita subsunção do caso concreto à hipótese legal autorizadora da contratação direta, é mister a conjugação de três requisitos objetivos, quais sejam: 1) destinação do imóvel ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, evidenciando-se a correlação entre as atividades que serão desenvolvidas no imóvel locado e a missão do órgão ou entidade contratante; 2) escolha do imóvel balizada pelas necessidades de instalação e de localização do ente público locatário; e 3) compatibilidade do preço (aluguel) com valores de mercado, mediante avaliação prévia, sendo recomendável que os laudos utilizados para subsidiar as locações estejam em conformidade com as normas da ABNT, no caso a NBR 14653-2.
Insta salientar que, mesmo na contratação direta, é imprescindível atentar para a fundamentação dos atos e a devida formalização do processo administrativo, demonstrando inequivocamente que a opção escolhida e os critérios utilizados de seleção, respaldados em estudos preliminares, pareceres e outros documentos comprobatórios, resultaram na contratação mais vantajosa para a Administração, observando-se os princípios fundamentais aplicáveis às contratações públicas.
Ainda que vários imóveis satisfaçam as condições desejadas pela Administração, encontra-se na esfera do poder discricionário do gestor contratar a locação por meio de dispensa de licitação (artigo 24, X, da Lei nº 8.666/1993). Caso contrário, o enquadramento da locação do imóvel na hipótese de dispensa de licitação prevista no artigo 24, X, da Lei nº 8.666/1993, seria irregular, não se justificando a ausência de realização do devido processo licitatório. Inaplicável, portanto, a contratação direta se houver mais de um imóvel nessas condições.
Não se pode olvidar que o artigo 24 da Lei nº 8666/1993 indica as hipóteses em que a licitação é juridicamente viável, embora a lei dispense o administrador de realizá-la. Já no caso de inexigibilidade, a licitação é inviável, ou seja, impossível de ser realizada, tendo em vista fatores que impedem a competitividade.
Nesse contexto, a conclusão acerca da caracterização da inexigibilidade de licitação faz-se em momento logicamente anterior ao do reconhecimento da dispensa. Num primeiro momento, avalia-se se a competição é ou não viável. Se não for, caracteriza-se a inexigibilidade. Se houver viabilidade de competição, passa-se à verificação da existência de alguma hipótese de dispensa.
É raro, em geral, um único imóvel que atenda às necessidades da Administração, o que seria, sim, caso de inviabilidade de competição, à evidência da inexigibilidade de licitação. Muitas vezes, uma pluralidade de imóveis atende aos requisitos definidos pelo poder público sem que isso implique a necessidade de licitar, até porque não é tarefa fácil promover um certame em que seja realizada seleção com critérios estritamente objetivos, dentro dos princípios norteadores da licitação, e que assegure a obtenção da melhor contratação.
Ao prever a possibilidade de dispensa de licitação para a locação de imóveis, o legislador da Lei nº 8.666/1993 deve ter antevisto as dificuldades em se estabelecer critérios objetivos de avaliação de propostas ante as inúmeras variáveis que acompanham a seleção de tal espécie de objeto (valor do aluguel do imóvel, localização, área, proximidade de serviços públicos, qualidade das instalações, segurança da região, facilidade de acesso, custos condominiais, entre outros).
O artigo 51 da Lei nº 14.133/2021, por sua vez, estabelece que a locação de imóveis “deverá ser precedida de licitação e avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações e do prazo de amortização dos investimentos necessários”, ressalvando, para tanto, o disposto no inciso V do caput do artigo 74 da referida lei.
Por seu turno, o sobredito inciso V do caput do artigo 74 assinala que é inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de, entre outros, “aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha”.
Da leitura desses dispositivos, extrai-se conclusão no sentido de que quando a Administração adota o regime jurídico da Lei nº 14.133/2021, entre os vários imóveis que podem satisfazer as condições por ela desejadas para ocupação, não mais se encontra na esfera do poder discricionário do gestor público a efetivação de sua locação por dispensa de licitação. A solução será, necessariamente, a realização de processo licitatório.
Por outro lado, se somente um único imóvel for capaz de atender à necessidade da Administração, estará, então, justificada a inexigibilidade de licitação, por inviabilidade de competição, devendo ser observados, na contratação direta, os seguintes requisitos previstos no parágrafo 5º do artigo 74 da Lei nº 14.133/2021: 1) avaliação prévia do bem, do seu estado de conservação, dos custos de adaptações, quando imprescindíveis às necessidades de utilização, e do prazo de amortização dos investimentos; 2) certificação da inexistência de imóveis públicos vagos e disponíveis que atendam ao objeto; e 3) justificativas que demonstrem a singularidade do imóvel a ser locado pela Administração e que evidenciem vantagem para ela.
Por derradeiro, o artigo 192 da Lei nº 14.133/2021 dispõe que o contrato relativo a imóvel do patrimônio da União ou de suas autarquias e fundações “continuará regido pela legislação pertinente, aplicada esta Lei subsidiariamente”.
A mera participação de ente da Administração em uma relação contratual caracteristicamente privada não deve significar a incidência integral do regime de Direito Público. Daí a necessidade de se diferenciarem os contratos privados praticados pela Administração dos contratos administrativos propriamente ditos.
Exemplo da situação acima delineada é justamente a locação de imóveis em que o poder público é o locatário. Esse tipo de ajuste, conquanto regido por algumas regras de Direito Público, sofre maior influência de normas do Direito Privado, aplicando-se, na essência, as regras de locação previstas na Lei do Inquilinato.
Há ainda de se discorrer um pouco sobre a locação sob medida (built to suit). A locação sob medida consiste em operação imobiliária na qual um investidor ou empreendedor adquire um terreno e constrói um prédio de acordo com as necessidades e especificações do futuro locatário, o qual irá utilizá-lo pelo período previamente estabelecido em contrato, com valor locatício fixado de modo a abranger a remuneração pelo uso do imóvel, aí incluída a depreciação ou amortização incidente sobre o custo total ou parcial do empreendimento, compreendendo as benfeitorias porventura realizadas.
Uma operação built to suit não pode ser considerada como mero contrato de locação, uma vez que, além da locação, a operação envolve, para o locador (empreendedor ou investidor contratado), a aquisição do terreno, a elaboração de projetos, a construção e entrega do imóvel pronto, o recebimento de remuneração pelo uso do imóvel e pelo retorno dos investimentos alocados, com a possibilidade de securitização do contrato, cujos títulos terão como lastro o valor dos aluguéis acordados.
Já para o locatário, a operação abrange, em síntese, a definição da localização ideal, as especificações detalhadas das instalações necessárias, a análise e aprovação dos projetos, a fiscalização da execução da obra, o recebimento do imóvel pronto e o pagamento das parcelas locatícias, que são valoradas com base na remuneração pelo uso e fruição do imóvel e pelos valores investidos na customização, durante o prazo acordado.
A Administração Pública deve demonstrar, nos autos do processo da contratação built to suit, que a opção pela locação sob medida mostra-se, sob quaisquer circunstâncias, mais favorável economicamente do que a adoção de outras ações institucionais, tais como a realização de reforma para adequação de imóvel preexistente, próprio ou de terceiro, ou mesmo a realização de obra pública destinada à construção de prédio novo, em terreno da própria Administração.
A despeito da omissão do legislador da Lei nº 14.133/2021 acerca da locação sob medida, não há óbice a que seja aplicado a esse modelo de contratação o conteúdo do artigo 51 da nova Lei de Licitações e Contratos, c/c o inciso V do caput do seu artigo 74.
Como visto, ao contrário do quanto disposto na Lei nº 8.666/1993, com a nova Lei de Licitações, a locação de imóveis passou a contar com dispositivo legal próprio, o qual estatui que deverá ser precedida de licitação. Dito de outro modo, à locação de imóveis a licitação passou a ser regra e não exceção.
Por outro lado, diferentemente do que prevê a Lei nº 8.666/1993, ainda quando necessária a contratação direta, a locação de imóveis, no contexto da Lei nº 14.133/2021, realiza-se por meio de inexigibilidade de licitação e não de dispensa. Nesse contexto, a nova lei privilegia a ampla concorrência, sem eliminar a hipótese de contratação direta, mas por inexigibilidade, a qual ocorrerá quando a escolha for justificada como a mais eficiente, bem como o preço seja praticado de acordo com o de mercado, segundo avaliação prévia.
Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e Políticas Públicas, ex-procurador do Estado do Amapá e advogado do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados.
Luiz Felipe Simões é advogado, pós-graduado em controle externo, mestrando em Direito Administrativo e auditor de controle externo do TCU.